Zumbi, Anita Garibaldi e Carolina de Jesus: os novos heróis das HQs

Reprodução da capa e de uma página da HQ Anita Garibaldi: o nascimento de uma heroína, na tradução para o italiano.

 

Reprodução da capa e de uma página da HQ Anita Garibaldi: o nascimento de uma heroína, na tradução para o italiano.

É bom não estranhar quando você for às bancas de jornal. Os super-heróis estrangeiros continuam nas principais histórias em quadrinhos consumidas no Brasil. Mas personalidades genuinamente nacionais, como Zumbi dos Palmares, Anita Garibaldi e Carolina Maria de Jesus, aparecem cada vez mais em HQs. E o melhor: suas histórias vêm rendendo prêmios e notoriedade a quadrinistas brasileiros no exterior.

Capa de <i>Anita Garibaldi: o nascimento de uma heroína</i>. A HQ foi publicada de forma independente no Brasil e conquistou a Itália Capa de Anita Garibaldi: o nascimento de uma heroína. A HQ foi publicada de forma independente no Brasil e conquistou a Itália

No mais recente capítulo dessa saga, Carolina, de João Pinheiro e Sirlene Barbosa, foi premiado no mês passado durante o Festival de Quadrinhos de Angoulême, o principal evento dedicado às HQs na Europa. “O prêmio foi uma grande surpresa para nós, porque não houve uma inscrição. Nossa obra foi traduzida, lançada na França, foi lida e indicada ao prêmio”, diz Sirlene.

 

Professora da rede pública municipal de São Paulo, ela se juntou ao marido, o quadrinista João Pinheiro, para contar a biografia de Carolina Maria de Jesus, uma das principais escritoras do Brasil. Sua motivação era levar aos alunos e a tantos outros estudantes brasileiros a referência da mulher negra que fez em Quarto de Despejo uma denúncia social sobre as condições de vida nas favelas brasileiras.

 

“Queria mostrar para esses estudantes, muitos negros e da periferia, que eles são descendentes de gente que foi sequestrada e escravizada em nosso país. Gente que escreveu, como Carolina, Lima Barreto e Machado de Assis. Gente que inventou, descobriu e teve importância como os brancos”, diz Sirlene.

 

Após três anos de pesquisa e desenhos, o livro foi publicado no Brasil pela editora Veneta em 2016 e despertou o interesse da editora francesa Çà et Là. Em francês, Carolina foi selecionado pelo júri ecumênico do Festival de Angoulême e premiado em 24 de janeiro deste ano. O corpo de jurados da premiação reúne especialistas da área, artistas e representantes católicos e protestantes.

 

Mais prêmios

 

O Brasil já havia marcado presença em Angoulême três anos antes, quando Marcello Quintanilha foi premiado por Tungstênio como a melhor HQ Policial. A história do livro foi adaptada para o cinema, e Quintanilha é considerado hoje um dos principais quadrinistas brasileiros em atividade no exterior.

 

A internacionalização de Tungstênio e outras obras nacionais recebe apoio da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) desde 2012. Com um edital específico para editoras estrangeiras interessadas em publicar histórias em quadrinhos de brasileiros, a FBN já ajudou a levar livros a 14 editoras de nove países. O apoio é fundamental, na visão do quadrinista Marcelo D’Salete: “Seria muito importante que projetos como esse tivessem ainda maior apoio e abarcassem ainda mais autores”.

 

D’Salete recebeu o principal prêmio da indústria americana de quadrinhos em julho do ano passado, o Eisner, apelidado de o “Oscar dos Quadrinhos”. Cumbe, que conta a história de africanos escravizados no Brasil, foi eleita a melhor publicação estrangeira nos Estados Unidos. A HQ também já circula em mercados da Europa em português, alemão, francês e italiano.

 

Mais recente, Angola Janga é outra obra de D’Salete que foi aclamada pela crítica e também já está na França e em Portugal, e deve chegar em breve aos Estados Unidos, à Áustria e à Polônia. Misturando realidade e ficção, Angola Janga conta a história de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, e venceu o prêmio Jabuti na categoria quadrinhos, em 2018. Além de Cumbe e Angola Janga, D’Salete também aborda temas atuais e urbanos em outras de suas HQs.

 

“São dois caminhos que eu gosto muito de trabalhar: temas mais contemporâneos e mais históricos”, diz. “Tento fazer uma linha narrativa que conecta essas pontas aparentes e apresenta uma perspectiva outra para pensar nas nossas relações e nos nossos conflitos e tentar entender um pouco mais dessa sociedade como um todo”.

 

Internet

 

O destaque desses trabalhos faz parte de um cenário que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) comemora: o crescimento da visibilidade dos quadrinhos brasileiros no exterior. Gerente de relações internacionais da CBL, Fernanda Dantas, relaciona o crescimento do mercado nacional de quadrinhos à internet e ao surgimento de editoras independentes.

 

Ela avalia que a qualidade dos artistas brasileiros chama atenção em mercados tradicionais de quadrinhos. “A diversidade e riqueza dos desenhos e do traço brasileiro são muito reconhecidas e admiradas no exterior, além da qualidade da narrativa e conteúdo regionalista”.

 

Para Fernanda, “no exterior, o maior destaque são as graphic novels com narrativas do cotidiano brasileiro, particularidades da nossa realidade. A cultura brasileira e suas peculiaridades sempre despertou interesse internacional, não apenas nas HQs. Já o mercado brasileiro consome primordialmente as HQs de super-heróis. O consumo de graphic novels vem crescendo, mas o mercado interno consumidor de HQ, comparado com o resto do mundo, ainda é bastante pequeno e jovem”.

 

O termo graphic novels (romances gráficos, em inglês) trata de histórias em quadrinhos de maior fôlego, como o livro Angola Janga, de 432 páginas, de Marcelo D’Salete. Segundo o autor, o crescimento do mercado passa por superar o senso comum que relaciona os quadrinhos exclusivamente ao público infantil. “É importante tratar as histórias em quadrinhos como uma produção que dialoga com vários públicos para além do infantil e está cada vez mais trazendo temas complexos para falar com o público adulto.”

 

Traço irreverente

 

Nascido em Laguna (SC), o cartunista Custódio Rosa assumiu o desafio de deixar um pouco de lado as tirinhas e contar uma parte menos conhecida da vida de uma conterrânea ilustre. A HQ Anita Garibaldi: o nascimento de uma heroína foi publicada de forma independente no Brasil e conquistou a Itália, onde a revolucionária também ganhou status de personagem histórico.

 

A editora VerbaVolant publicou o livro na Europa, e a recepção na crítica italiana foi positiva ao ponto de a empresa encomendar uma história infantil ao cartunista brasileiro. “É a história de um garoto de subúrbio que joga futebol e anda de skate. Isso cabe tanto em uma cidade italiana quanto em São Paulo”, disse Custódio.

 

Segundo ele, os europeus gostam da irreverência dos quadrinistas brasileiros, que têm um perfil mais autoditada e menos acadêmico. Para o futuro, Custódio planeja contar a biografia completa de Anita Garibaldi. “Minha intenção é republicar em um volume completo em uma saga inteira. Ela vai fazer 200 anos de nascimento em 2021 e vou tentar usar esse período para produzir o que falta”.

 

Com informações da Agência Brasil

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