Viva João Ubaldo Ribeiro

joao ubaldo ribeiro2Artigo – João Ubaldo Ribeiro completa, no dia 23 de janeiro, setenta anos. Nascido à Rua do Canal, nº 1, Ilha de Itaparica, Bahia, é um dos maiores romancistas de língua portuguesa do mundo.

De inteligência multifacetada, percorreu longo caminho até abraçar, de uma vez por todas, sua vocação de escritor. Em 1958, entrou na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Após a formatura, em 1962, fez mestrado em Los Angeles, e, durante alguns anos, deu aulas de Ciência Política na UFBA e na Universidade Católica de Salvador. Largou a carreira acadêmica. Não chegou a exercer a advocacia. Seu destino não era o Direito. A Literatura lhe chamava. Aos 21 anos, escreveu seu primeiro romance (Setembro não tem sentido), que foi publicado, em 1968, com elogioso prefácio de Jorge Amado. 

Era preciso pagar as contas, vencer a guerra cotidiana pela sobrevivência. João Ubaldo exerceu, nas décadas de 60 e 70, a carreira de jornalista. Em 1975, chegou a assumir o cargo de editor-chefe da Tribuna da Bahia.

João Carlos Teixeira Gomes, no seu excelente ensaio crítico “João Ubaldo e a Saga do Seu Talento Triunfante” (RIBEIRO, João Ubaldo. Obra seleta. Organização Zilá Bernd. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005), narra as dificuldades financeiras sofridas pelo escritor. Numa comovente carta enviada ao amigo Glauber Rocha, datada de 31 de outubro de 1979, João Ubaldo confessa a sua angustiante instabilidade econômica:

“Escrevo porque sinto falta dos amigos e me sinto um pouco desamparado. Decidi abandonar a condição de editor-chefe da Tribuna, embora ainda devo ficar fazendo uns negócios para eles. Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, pois viver de escrever, mesmo no jornalismo, é phoda e, inclusive, ninguém me paga. A Folha paga, mas é pouco. Enfim, não sei. Talvez seja por isso que me deprima um pouco, talvez eu esteja chegando perto dos 40 e me ache um fodido – você veja. Eu não tenho nem onde morar (…)”.

Em outra carta enviada ao seu padrinho Glauber, datada de 28 de novembro de 1979, volta a se queixar da vida economicamente desarrumada:

“Ganho uma terrível miséria para escrever um editorial todo dia, várias notas, dois artigos de lauda e meia por semana, uma crônica de três laudas por semana e mais a edição de um tablóide mensal. Com isso, julguei estar conquistando algo, pois pelo menos trabalho em casa e de bermudas, mas me dá desgosto ter que escrever merdas.”

No início dos anos 80, Ubaldo deixou Salvador e voltou a morar na Ilha de Itaparica, na casa onde nasceu, “para cumprir o seu destino de escritor”, nas palavras de João Carlos Teixeira Gomes. Nos anos de 83/84, em Itaparica, escreveu a obra-prima Viva o Povo Brasileiro, monumental romance que percorre quatro séculos de história do país. João Carlos Teixeira Gomes relata que, “ao isolar-se com mulher e filhos na ilha, acreditando no seu poder criador e renunciando, ainda tão jovem, às solicitações e oportunidades das cidades grandes, foi lá que João Ubaldo acabou por escrever a saga do seu próprio talento, afinal triunfante”.

João Ubaldo decidiu viver exclusivamente de direitos autorais. Portanto, tem total autoridade para falar sobre o tema. Em recente artigo publicado no jornal A TARDE (edição de 26 de dezembro de 2010), intitulado “Viver corretamente”, com altivez, tece dura crítica aos que ainda pensam que escritores vivem vagabundeando por aí. Eis as suas preciosas palavras:

“Aliás, falando em livros, há outras novidades, ainda no terreno da cultura. O plano é mudar a lei dos direitos autorais. Os proponentes das mudanças dizem que não estão de fato querendo mudar nada, porque todas as suas ideias estariam contidas em dispositivos legais já existentes. Pergunta-se, nesse caso, por que é preciso fazer uma nova lei. Não sei bem, mas sei, pelo que já me foi contado, que a produção de cópias de livros ou textos será permitida, contanto que para fins educativos. Ou seja, qualquer coisa, ainda mais no mangue educacional que é o Brasil. O sujeito escreve um livro que é adotado em classe e esse livro pode ter praticamente uma edição à parte, pois há máquinas que possibilitam isso, copiando um livro inteiro e cuspindo do outro lado volumes já encadernados, com capa e tudo. O autor não vê um centavo, embora os produtores da edição pirata se remunerem pelo seu trabalho de ´difusão` e, principalmente, os fabricantes das máquinas ganhem.

Interessante isso. Acredita-se que um estudioso dedique anos de pesquisa e trabalho duro a produzir algo pelo qual não será pago, a não ser pela distinção de ser adotado nas escolas. Por que os funcionários do governo que lidam com cultura não abdicam de seus salários, já que a verdadeira cultura não pode ter preocupações materiais e o artista pode viver de brisa? Trabalhar para a cultura é isso, é ser filósofo e poeta aos olhos do grande público. Morrendo bêbado, tuberculoso e na sarjeta é ainda melhor, compõe o quadro romântico”.

Itaparica está em festa. A Bahia, orgulhosa e feliz. João Ubaldo é o prelúdio de um Brasil ainda imaginário, onde as pessoas amarão os livros, a criatividade e a possibilidade de abraçar sua própria vocação, seu próprio destino. Como disse Jorge Amado, no prefácio do primeiro romance ubaldiano: “Que alegria maior do que o encontro com um verdadeiro criador?”

A escolha literária de João Ubaldo resplandece nessa belíssima passagem de Viva o Povo Brasileiro, quando o general Patrício Macário, na festa de seu centenário, confessa um dos segredos da vida:

“– Vou lhe dizer uma coisa por enquanto inútil – cochichou. – Talvez para sempre, porque posso ser um velho caduco e não saber. Pssi! Você só vai poder ser tudo depois que for você! Pssi! Entendeu? Parece bobagem, mas não é! Temos de ser tudo, mas antes temos de ser nós, entendeu? Como é seu nome? Tudo, tudo, tudo, tudo! Pssi! Viva o povo brasileiro, viva nós!”

Viva João Ubaldo Ribeiro! Gigante das letras! 

 

Rodrigo Moraes é advogado autoralista. www.rodrigomoraes.com.br

 

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