Outro dia, li num jornal que existe um jeito certo de fazer churrasco. É claro que esta matéria jornalística não foi escrita por gaúchos. O texto se assemelhava a um manual. Ensinava a escolher a grelha, o espeto, o carvão, os ingredientes e a carne. Dizia como acender o fogo, calculava a altura da carne em relação ao carvão. Listava uma série de temperos. O texto relacionava os acompanhamentos que poderiam ser apreciados com a carne. Eram tantos que a carne ficava em segundo plano. O jornalista, ao final do texto, lecionava com colocar a mesa e dizia: “ – A carne, então, estará pronta para ser levada à mesa e servida para todos os convidados.”
A matéria do jornal paranaense é um acinte à tradição do churrasco! Já te explico… O churrasco não é algo a ser servido na refeição como um prato a mais na mesa. A culinária do churrasco dispensa tapete vermelho e salamaleques. Nada de fricotes e invencionices!
O churrasco é um evento. O dia inteiro deve ser dedicado só para ele. Desde a alvorada, não se deve pensar em outra coisa. Os apetrechos vão se juntando conforme a necessidade do churrasqueiro, que deve ser de preferência um gaúcho. Ou alguém que incorpore o espírito gaúcho. Isto é fundamental! E vou explicar o por quê.
Bom, o churrasco, ao contrário do que muitos pensam, não se inicia acendendo o fogo do carvão, mas sim, acendendo o fogo para esquentar a água para o chimarrão que é donde vem a inspiração para todo o resto.
O Jaime Caetano Braun já falava sobre o verde que corre nas veias do índio velho resgatando as tradições. O mate amargo é essencial! Ademais, é muito importante o som de uma gaita e um violão; ambos bem pampeiros! Ponha pra tocar uma música do Teixeirinha… Tu aproveites e conte uns causos, pode ser a lenda do Negrinho do Pastoreio. E…então, ouvirás um tilintar de esporas e uns sapucais do fundo da alma de trovadores do pago. A partir daí começarão a descer à terra os espíritos pagãos dos gaúchos de tempos imemoriais, dos índios charruas, dos guerreiros farrapos e tantos que se juntaram para formar a tradição gauchesca. Então, aquela simples reunião de viventes se transformará em uma confraternização verdadeira, impregnada dos ideais de irmandade defendidos pela Revolução Farroupilha.
O verdadeiro churrasco independe do tipo de carne e lugar.
A carne pode ser uma linguiça ou uma picanha suculenta, respingando sangue… Tem que ter, desde o raiar da manhã, os tira-gostos feitos de linguiça, miúdos na farinha, mais tarde…as tiras de costela pingando gordura. Os presentes passam a reverenciar a carne assando que se torna o centro do Universo. Tudo isso sob o controle de qualidade do “tchê” responsável.
Os espetos podem ser de ripa cortada num mato próximo. A churrasqueira pode ser um buraco no chão ou algumas pedras juntadas. Para temperar, uma vassourinha feita de cheiro verde serve para respingar a salmoura. Na falta de talheres, use as mãos e uma boa faca com cabo de guampa. Faltou guardanapo? Esfregue a gordura no cano das botas que é bom para conservá-las. O local não importa: pode ser à beira de um rio, no quintal de casa ou na área de serviço de um apartamento!
Há várias formas de churrasquear, não se prenda a uma. Na hora de comer, nada de todo mundo sentadinho na mesa, que agora vem o churrasco. Isto é pura frescura! Tem que todos irem lá, perante o churrasqueiro, solicitar educadamente o seu quinhão. Eu te garanto, tchê! Tudo fica mais gostoso assim. Mas se acaso o vivente sofrer do mal da gula, é melhor acordar bem cedinho para auxiliar o taura, incorporar todos os espíritos da cepa crioula, praticar o ritual completo e ir provando, a toda hora, um pedacinho de carne que, aí sim!, o esfomeado sairá contente e satisfeito. Mas te aconselho: rasgue todos os manuais sobre o assunto. Eu mesmo joguei fora aquela edição do jornal.
Por Manoel Barbosa Valdemar Filho
(advogado e escritor)
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