Teatro em pé de guerra contra MinC

teatro Uma microrrebelião teatral se alastra pela internet. Desde o final de semana, dramaturgos e artistas de teatro deflagram uma corrente de e-mails, manifestos, mensagens de solidariedade e adesões na rede. O motivo é a decisão da Fundação Nacional de Arte (Funarte) de cortar dos projetos de teatro aprovados pela Lei Rouanet a parte relativa aos direitos autorais do dramaturgo, do autor do texto.

O primeiro a se manifestar foi o carioca Marcelo Pedreira, do Rio de Janeiro, autor de Inevitável História de Letícia Diniz. Ele enviou seu projeto ao MinC para receber o benefício em dezembro. Em fevereiro, o projeto foi aprovado com um corte – o valor que destinaria parte da captação para o autor da peça.

“Eu achava que era um caso isolado, uma espécie de engano. Mas logo depois eu estive com o Hamilton Vaz Pereira (diretor e dramaturgo) e ele me disse que ele também tinha tido o problema. Liguei para o Bosco Brasil (autor) e ele me disse: ?Acabou de acontecer comigo?”, conta Pedreira. Com mais contatos, descobriram-se diversos outros casos, e a revolta tomou conta do povo do teatro.

O Ministério da Cultura informou ontem que a orientação de cortar o autor do projeto de uma montagem surgiu informalmente na Funarte – não há um documento escrito disso – na gestão anterior à de Sérgio Mamberti (portanto, na gestão de Celso Frateschi, afastado pelo ministro Juca Ferreira). “Realmente, houve uma orientação, na gestão anterior da Funarte, de cortar o valor de direitos autorais de projetos”, informou nota da Comunicação Social do MinC, que acrescentou que o ministério não estava ciente da orientação. “O problema foi identificado agora, por meio da imprensa, e será corrigido.”

A Funarte funciona como instituição de apoio à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do Minc (Sefic), examinando projetos em consonância com a Comissão Nacional de Incentivos à Cultura (CNIC).

Celso Frateschi, ex-presidente da Funarte, reagiu com indignação à acusação de ter ordenado o corte do direito dos dramaturgos. “Eu sou um autor, como iria fazer uma coisa dessas?”, disse. “Que coisa mais nojenta. É revoltante. Além de todas as burradas, começam a mentir desse jeito”, afirmou Frateschi. Ele desafiou o MinC a mostrar qualquer documento que o responsabilize pela orientação.

O atual presidente da Funarte, o ator Sérgio Mamberti, disse que vai alterar a orientação. Ele ainda não sabe dizer exatamente de onde surgiu a orientação, mas afirma que os pareceristas que examinam os projetos se pautam por normas geralmente estabelecidas por chefias. Mamberti também considera que, se os autores recorrerem, poderá retroagir os processos e pagar o direito do autor. “Se a gente paga o direito autoral para os estrangeiros, como é que não pagaria para o autor brasileiro?”

O dramaturgo Marcelo Pedreira entrou com recurso esta semana contra o corte no orçamento de sua peça. Segundo ele, sua argumentação é baseada no fato de que, se essa orientação se mantiver, o ministério estará empurrando o autor para o amadorismo. “O MinC deveria estimular, e não colocar obstáculos para o autor de teatro. Eles vêem a gente como milionários. Mas, se a gente for sobreviver unicamente de bilheteria, não tem a menor condição.”

A rebelião ganha dia após dia maiores contornos. O dramaturgo Cassio Pires, autor de Peça de Elevador, escreveu um manifesto contundente dizendo que “o Ministério da Cultura não faz, nem nunca fez, política cultural com os artistas brasileiros, mas, sim, apesar deles.”

Segundo Pires, os autores e artistas do teatro se deixaram transformar “em uma linha de orçamento”, e é preciso mudar essa postura. “Que nós não falemos apenas em nome dos interesses dos profissionais que somos. O nosso problema é maior que esse veto absurdo. Se vamos falar juntos, que falemos a todos que temos urgência de políticas democráticas, que respeitem necessidades artísticas e finalidades públicas”, escreveu.

Samir Yazbek, que também teve orçamento cortado, foi ponderado em sua reclamação. “Eu não chegaria ao ponto de indiscriminadamente atacar a lei, realmente não acho que seja o caso. Sinto necessidade de conhecer melhor as propostas de alteração na lei, por parte do ministério, para poder opinar.”

“Talvez até estivéssemos precisando dessa chacoalhada para nos posicionarmos e procurarmos caminhos para a produção e evolução da dramaturgia nacional”, disse Lucio Mauro Filho. “O teatro no Brasil ainda é um subproduto cultural”, diz Dionisio Neto. “Nem mesmo sei se os redatores da lei sabem que nem todos os autores estão mortos, ou mesmo que Nelson Rodrigues, Shakespeare, Plínio Marcos e tantos outros, além de serem cidadãos, também tinham contas a pagar.”

Celso Frateschi disse que sua gestão jamais estabeleceu nenhuma regra do tipo. “Nunca mexemos em nenhum critério. Apenas contratamos mais pareceristas, cerca de 40, e eliminamos o vínculo promíscuo entre proponente e analista.”

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