Crônica de Cláudio Ribeiro
Domingo, me despedi de um grande amigo. Foi lá no Parque Iguaçu, em Curitiba, um lugar de paisagens vastas e céu tão aberto quanto as memórias que ele deixou. Thiagão, um gigante de alma e sorriso largo, se foi. Partiu tão cedo, tão sem aviso, que ainda me pego olhando para o vazio, como quem espera que ele volte, tamtam em mãos, para abrir o samba.
O mundo é mestre em nos pregar peças, e poucas doem tanto quanto a partida de quem amamos. A dor da ausência do Thiagão é daquelas que chegam de mansinho e, de repente, tomam conta de tudo. É o silêncio que pesa mais. Aquele silêncio estranho, feito de saudade e de tudo que ficou por dizer.
Nosso Thiagão não era só um amigo; era o coração pulsante do Bloco Boca Negra. Onde tinha samba, tinha ele, tamtam na mão, um riso que abafava qualquer tristeza, e uma energia que fazia o mundo dançar. Agora, esse som virou eco, uma lembrança fantasmagórica de tantas rodas que pareciam nunca ter fim. Mas como dizia ele mesmo, com seu jeito de quem nunca levava a vida tão a sério: “Se um dia eu partir, não quero lágrima. Quero samba!”
E assim fizemos.
O Gurufim: o samba que engana a morte
Lá estávamos, no Parque Iguaçu, com nossos instrumentos e corações pesados. Lá estavam os cavaquinhos, pandeiros, reco-recos, cuíca e, no meio disso tudo, um espaço vazio. O silêncio do tamtam era a ausência mais presente. Cada nota parecia misturar dor e gratidão. Sambistas de todos os cantos vieram prestar sua última homenagem, e o gurufim – esse costume ancestral de transformar luto em celebração – fez o impossível: arrancou sorrisos entre as lágrimas.
Não é fácil explicar o gurufim para quem nunca viveu o samba de dentro. Para muitos, pode soar como desrespeito, mas é o oposto. É reverência. É herança dos negros bantos e iorubás, dos candomblés e das rodas de terreiro. No axexê, a morte não é só fim, mas passagem. E no samba, esse sentimento virou algo nosso. Um jeito único de dizer: você nunca será esquecido.
Entre os versos e batucadas, revivemos Thiagão em cada riso, em cada estrofe. Cantamos os sambas que ele mais gostava, os que ele sempre puxava quando a roda já ia madrugada adentro. O tamtam dele não estava lá, mas seu som, de algum jeito, ainda estava em nós.
Um eco que não se cala
Quando o último acorde soou, ficamos ali, em silêncio. Era um silêncio cheio de vida, como se ouvíssemos Thiagão dizendo: “Tô vendo, hein? Não deixa o samba morrer!” E não vamos. Porque ele não partiu de verdade. Ele está nas nossas músicas, nas histórias contadas e recontadas, e no jeito como, mesmo na tristeza, encontramos um motivo para cantar.
O tamtam do Thiagão pode ter silenciado, mas a sua batida ecoa em nossos corações. E sempre que o samba soar, será como ouvir sua gargalhada de novo, cheia de vida, lembrando a todos nós que, no fundo, ele nunca se foi.
Descanse em paz, amigo. E que nunca falte samba aí onde você está.
Cláudio Ribeiro
Jornalista – Compositor
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