Sertanejo – Dia 3 de Maio

 

O SERTANEJO

 

 

 

“… O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

 

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

 

É desgracioso, desengonçado, torto.

 

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É o homem permanentemente fatigado.

 

Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

 

Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias…”

 

 

 

Euclides da Cunha, Os Sertões

 

 

O Sertanejo – José de Alencar

 

 

 

Um dos romances bastantes brasileiros em que Alencar dá expansão ao seu gênero de pincelador retratando com belas e radiantes cores a paisagem do sertão um destemido vaqueiro a serviço capitão-mor Arnaldo Campelo que enfrenta os mais sérios riscos na esperança de constar a simpatia da filha do fazendeiro. Arnaldo tem destaque nas cavalhadas a maneira medieval de Ivone famosas liças. Marcos Fragoso se faz seu único rival. Afinal Dona Flor é prometida a Leandro Barbilho. No instante casamento, surge os inimigos de Campelo. Encerra o tiroteio, morre Leandro Barbalho, Dona Flor lamente enquanto Arnaldo tenta consolá-la.

 

O trecho selecionado permitirá a análise do relacionamento existente entre Arnaldo e D. Flôr. Possibilitando-nos a comparação com o trecho de Inocência:

 

“Já tinham soado no sino da capela as últimas badaladas do toque de recolher. Por toda a fazenda da Oiticica , sujeita a um certo regime militar, apagavam-se os fogos e cessava o burburinho da labutação quotidiana. Só nas noites de festa dispensava o capitão-mor essa rigorosa disciplina, e dava licença para os sanbasm que então por desforra atravessavam de sol a sol. Era uma noite de escuro; mas como o são as noites do sertão, recamadas de estrelas rutilantes, cujas centelhas se cruzam e urdem como a finíssima teia de uma lhama acetinada. A casa principal acabava de fechar-se e das portas e janelas apenas escapavam-se pelos interstícios uma réstias de luz, que iam a pouco extinguindo-se. Nesse momento um vulto oscilou na sombra, e coseu-se à parece que olhava para o nascente. Era Arnaldo. Resvalando ao longo do outão, chegara à janela do camarim de D. Flôr, e uma força irresistível o deteve ali. No gradil das rótulas recendia um breve perfume, como se por ali tivesse coado a brisa carregada das exalações da baunilha. Arnaldo adivinhou que a donzela antes de recolher-se, viera respirar a frescura da noite e encostara a gentil cabeça na gelosia, onde ficara a fragrância de seus cabelos e de sua cútis acetinada. Então o sertanejo, que não se animaria nunca a tocar esses cabelos e essa cútis, beijou as grades para colher aquela emanação de D. Flôr, e não trocaria decerto a delícia daquela adoração pelas voluptuosas carícias da mulher mais formosa. Aplicando o ouvido percebeu o sertanejo no interior do aposento um frolico de roupas, acompanhado pelo rumor de um passo breve e sutil. D. Flôr volvia pelo aposento. Naturalmente ocupada nos vários aprestos do repouso da noite. Um doce sussurro,como da abelha ao seio do rosal, advertiu a Arnaldo que a donzela rezava antes de deitar-se e involuntariamente também ajoelhou-se para rogar a Deus por ela. Mas acabou suplicando a flôr perdão para a sua ternura. Terminada a prece a donzela aproximou-se do leito. O amarrotar das cambraias a atulharem-se indicou ao sertanejo que Flor despia as suas vestes e ia trocá-las pela roupa de dormir. Através das abas da janela, que lhe escondiam o aposento, enxergou com os olhos d’alma a donzela, naquele instante em que os castos véus a abandonavam; porém seu puro o céu azul ao deslize de uma nuvem branca de jaspe surgisse uma estrela. A trepidação da luz cega; e tece um véu cintilante, porém mais espesso do que a seda e o linho. Cessaram de todo os rumores do aposento, sinal de que D. Flôr se havia deitado / Ouvindo um respiro brando e sutil como de um passarinho, conheceu Arnaldo que a donzela dormia o sono plácido e feliz. Só então afastou-se para acudir ao emprazamento que recebera”

 

 

Em homenagem a esse tipo característico brasileiro, a Brasil Cultura selecionou vinte e uma músicas que cantam a vida e o homem do sertão

ABC do sertão
Luiz Gonzaga / Zé Dantas

Lá no meu sertão
Pros caboco lê
Tem qui aprendê
Um outro ABC
O jota é ji
O ele é lê
O ésse é si
Mas o erre
Tem nome de rê
Até o ypsilon
Lá é pssilone
O eme é mê
O efe é fê
O gê chama-se guê
Na escola é engraçado
Ouvir-se tanto ê

A BÊ CÊ DÊ FÊ GUÊ LÊ MÊ NÊ
PÊ QUÊ RÊ TÊ VÊ e ZÊ

A triste partida
Patativa do Assaré

Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e novembro
Já tamo em dezembro
Meu Deus que é de nós?
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco nordeste,
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai

A treze do mês
Ele faz experiência
Perdeu sua crença
Nas pedra de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natal,
Ai, ai, ai, ai

Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além,
Meu Deus, meu Deus,
Na copa da mata
Buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
Ai, ai, ai, ai

Sem chuva na terra
Descamba janeiro,
Depois fevereiro,
E o mesmo verão,
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz, isso é castigo
Não chove mais não
Ai, ai, ai, ai

Apela pra março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai

Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer,
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro,
Meu jegue e o cavalo,
Nós vamo à São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai

Nós vamo à São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras aleia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai

E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai

Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natal

Ai, ai, ai, ai
O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai

No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu fio choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai

De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta,
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai

E a linda pequena,
Tremendo de medo,
“Mamãe, meus brinquedo,
Meu pé de fulô?”
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai

E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai

Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão,
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,
Três ano e mais anos,
E sempre nos prano,
De um dia vortar,
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai

Se arguma notícia
Das bandas do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito,
Saudade de moio
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai

Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo o desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai

Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
À lama e aao paú,
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai

Ave-Maria sertaneja
Júlio Ricardo / O. de Oliveira

Quando batem as seis horas
De joelhos sobre o chão
O sertanejo reza
A sua oração
Ave-Maria
Mãe de Deus Jesus
Nos dê força e coragem
Pra carregar a nossa cruz
Nesta hora bendita e santa
Devemos suplicar
À Virgem Imaculada
Os enfermos vir curar

 

Vaca Estrela e boi Fubá
Patativa do Assaré

Seu dotô me dê licença
Pra minha história eu contá
Se hoje estou em terra estranha
E é bem triste o meu pená
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu lugá
Eu tinha cavalo bão
Gostava de campiá e todo dia eu aboiava
Na porteira do currá
Eia
Eh eh eh eh vaca Estrela
Oh oh oh oh boi Fubá

Eu sou fio do nordeste
Não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tangeu de la pra cá
Lá eu tinha meu gadinho
Não é bom nem maginá
Minha linda vaca Estrela
E o meu belo boi Fubá
Quando era de tardinha
Eu começava aboiá
Eia
Eh eh eh eh Vaca Estrela
Oh oh oh oh Boi Fubá

Aquele seca medonha
Fez tudo se trapaiá
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá
O sertão esturricou
Fez o açude secá
Morreu minha vaca Estrela
Se acabou meu boi Fubá
Perdi tudo quando eu tinha
Nunca mais pude aboiá
Eia
Eh eh eh eh vaca Estrela
Oh oh oh oh boi Fubá

E hoje nas terras do sul
Longe do torrão natá
Quando vejo em minha frente
Uma boiada passá
As águas corre dos óio
Começo logo a chorá
Me lembro da vaca Estrela,
Me lembro do boi Fubá
Com sodade do nordeste
Dá vontade de aboiá
Eia
Eh eh eh eh vaca Estrela
Oh oh oh oh boi Fubá

 

Vozes da seca
Luiz Gonzaga / Zé Dantas

Seu doutô os nordestino
Têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista
Nessa seca do sertão
Mais doutô uma esmola
A um home qui é são
Ou lhe mata de vergonha
Ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo
Proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído
Para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado
Temos oito sem chuvê
Veja bem, quase a metade
Do Brasil tá sem cumê
Dê serviço a nosso povo
Encha os rio de barragem
Dê cumida a preço bom
Não esqueça a açudage
Livre assim nóis da ismola
Que no fim dessa estiage
Lhe pagamo até o júru
Sem gastar nossa corage
Se o doutor fizer assim
Salva o povo do sertão
Se um dia a chuva vim
Que riqueza pra nação
Nunca mais nóis pensa em seca
Vai dá tudo nesse chão
Cúmu vê, nosso distino
Mecê tem na vossa mão

Assum preto
Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira

Tudo em volta é só beleza
Sol de abril e a mata em flor
Mas assum preto, cego dos oio
Não vendo a luz, ai, canta de dor
Talvez por ignorança
Por maldade, das pió
Furaro os oio do assum preto
Pra ele assim, ai, canta mió
Furaro os oio do assum preto
Pra ele assim, ai, canta mió

Assum preto veve sorto
Mas não pode avoá
Mil vez a sina duma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Mil vez a sina duma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Assum preto o meu cantá
É tão triste como o teu
Também robaro o meu amô
Que era a luz, ai, dos olhos meus
Também robaro o meu amô
Que era a luz, ai, dos olhos meus.

Bonde camarão
Cornélio Pires / Mariano

Aqui em São Paulo o que mais me amola
São esses bondes que nem gaiola
Cheguei abrir uma portinhola
Levei um tranco e quebrei a viola
Inda pus o dinheiro na caixa da esmola
Chegou um véio se faceirando
Levou um tranco e foi cambeteando
Beijou uma véia e saiu bufando
Sentou de um lado e garrou suando
Pra mode o vizinho tá catingando
Entrou uma moça se arrequebrando
No meu colo ela foi sentando
Pra mode o bonde que estava andando
Sem a tal zinha estar esperando
Eu falo claro, eu fiquei gostando
Entrou um padre bem barrigudo
Levou um tranco dos bem graúdo
Deu um abraço num bigodudo
Protestante dos carrancudo
Que deu cavaco com o batinudo
Eu vou-me embora para minha terra
Esta porquera inda me inguerra
Este povo inda sobe a serra
Pra mode a Light que os dente ferra
Nos passageiro que grita a berra

Asa branca
Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira

Quando oiei a terra ardendo
Qual foguêra de São João
Eu perguntei-ei a Deus do céu, ai
Pru que tamanha judiação?

Qui brazero, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa-branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse: adeus, Rosinha
Guarda contigo meu coração.

Hoje longe muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva caí de novo
Pra mim vortá pro meu sertão

Quando o verde dos teus óios
Se espaiá na prantação
Eu te asseguro, num chore não, viu
Que eu voltarei, viu, meu coração

 

Coração sertanejo
Neuma Morais / Neon Morais

Andei, andei, andei
Até encontrar
Este amor tão bonito
Que me faz parar
Neste pedaço do chão
No coração do sertão
Encontrei meu lugar
Tem peão de boiadeiro
Que vive a laçar
Tem tanto amor verdadeiro
Que nunca vai faltar
Lenda de animais e rios
Aves, flores, desafios
Este é o meu lugar
E no final do dia
O fogo faz companhia
E um violeiro toca pra gente sonhar
Aqui não se vê tristeza
Em meio a natureza
No coração sertanejo
É que é o meu lugar

Calango
Alvarenga / Ranchinho Capitão Furtado

É do calango
É do calango do joá
Aprendi a cantar calango
Numa noite de natá
Bebendo café com leite
E bolinho de fubá
É do calango
É do calango do joá
Bebi leite de cem vacas
Na porteira do curral
Não bebi de cento e vinte
Porque não quizeram dar
É do calango
É do calango do joá
Que eu andei cinqüenta léguas
No lombo de uma preá
Mandioca no tipiti
Dá farinha e dá jubá
É do calango
É do calango do joá
Esta moda do calango
Vou cantando sem parar
Canto a moda do calango
Até o canto melhorar
É do calango
É do calango do joá
Menina de onze anos
Chora pra me acompanhar
Quem não tem peneira fina
Não pode coar fubá
É do calango
É do calango do joá

Farra de peão
Carlos Paraná

Companheiro, vamos conhecer
O que os outros têm pra nos dizer
Companheiro, vamos acompanhar
Nossa festa tá prá começar
Não precisa nem se conversar
Mano véio, vamos se juntar
Deu saudade, vamos viajar
Nas estradas e noite de sertão
Muita farra em festa de peão
Muita cantoria e amor no coração
Mano véio, vamos conversar
Balanceia, vamos balancear
Tem viola e tem cateretê
Rasta-pé vai até o amanhecer
Tem rodeio muito bom
Pra gente ver
Tem moça bonita pra se olhar
E tem lembrança boa pra contar
Menina do corpinho violão
Na despedida a gente sente uma paixão
Ei meu velho companheiro

Maringá
Joubert De Carvalho

Foi numa leva
Que a cabocla Maringá
Ficou sendo a retirante
Que mais dava o que falá
E junto dela
Veio alguém que suplicou
Prá que nunca se esquecesse
De um caboclo que ficou

Maringá, Maringá
Depois que tu partiste
Tudo aqui ficou tão triste
Que eu garrei a imaginá

Maringá, Maringá
Para havê felicidade
É preciso que a saudade
Vá batê noutro lugá

Maringá, Maringá
Volta aqui pro meu sertão
Prá de novo o coração
De um caboclo assussegá

Antigamente
Uma alegria sem igual
Dominava aquela gente
Da cidade de Pombal
Mas veio a seca
Toda chuva foi-se embora
Só restando então as águas
Dos meus óio quando chora

O xote das meninas
Zé Dantas / Luiz Gonzaga

Mandacaru quando fulora na seca
É um sinal que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjoa de boneca
É sinal que o amô
Já chegou no coração
Meia cumprida não quer mais sapato baixo
O vestido bem cintado
Num qué mais vestir timão

Ela só qué
Só pensa em namorá

De manhã cedo já tá pintada
Só vive suspirando sonhando acordada
O pai leva ao dotô a fia adoentada
Num come nem estuda
Num dorme num qué nada
Mas o dotô nem examina
Chamando o pai de lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
E que pra tal menina
Num tem um só remédio em toda medicina

Paraíba
Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira

Quando a lama virou pedra
E mandacaru secou…
Quando ribaça de sede
Bateu asas e voou…
Eu entonce vim embora,
Carregando minha dor…
Hoje eu mando um abraço
Prá ti, pequenina,

Paraíba masculina
Muié-macho, sim senhor
Paraíba masculina
Muié-macho, sim senhor

Êta, pau pereira
Que in princesa já roncou…
Êta, Paraíba,
Muié-macho, sim senhor
Êta pau pereira
Meu bodoque num quebrou…
Hoje eu mando um abraço
Prá ti, pequenina,

Paraíba masculina
Muié-macho, sim senhor
Paraíba masculina
Muié-macho, sim senhor

Sodade, meu bem, sodade
Zé do Norte

Sodade, meu bem, sodade
Sodade do meu amor
Sodade, meu bem, sodade
Sodade do meu amor
Foi embora e não disse nada
Nem uma carta deixou
Os óios da cobra verde
Hoje foi que arreparei
Se arreparasse a mais tempo
Não amava a quem amei
Quem levou meu amor
Deve ser o meu amigo
Levou pena deixou glória
Levou sodade sonsigo
Arrenego de quem diz
Que o nosso amor se acabou
Ele agora está mais firme
Do que quando começou
Sodade, meu bem, sodade
Sodade do meu amor

Uirapuru
Jacobina / Murilo Latini

Uirapuru, uirapuru
Seresteiro, cantador do meu sertão
Uirapuru, uirapuru
Ele canta as mágoas do meu coração
A mata inteira fica muda ao teu cantar
Tudo se cala para ouvir tua canção
Que vai ao céu numa sentida melodia
Vai a Deus em forma triste de oração

Uirapuru, uirapuru
Seresteiro, cantador do meu sertão
Uirapuru, uirapuru
Ele canta as mágoas do meu coração
Se Deus ouvisse o que te sai do coração
Entenderia que é de dor tua canção
E dos teus olhos tanto pranto rolaria
Que daria para salvar o meu sertão

Uirapuru, Uirapuru
Seresteiro, cantador do meu sertão
Uirapuru, Uirapuru
Ele canta as mágoas do meu coração

Último pau-de-arara
Venâncio / Corumbá / Guimarães

A vida aqui só é ruim
Quando não chove no chão,
Mas se chover, dá de tudo,
Fartura tem de montão!
Tomara que chova logo,
Tomara, meu Deus, tomara!
Só deixo o meu Cariri
No último pau-de-arara!
Enquanto a minha vaquinha
Tiver um couro e um osso
E puder com o chocalho,
Pendurado no pescoço,
Eu vou ficando por aqui.
Que Deus do céu me ajude!
Quem foge da terra natal,
Em outros cantos não pára.
Só deixo meu Cariri
No último pau-de-arara!

Saudade da minha terra
Goiá / Belmonte

De que me adianta viver na cidade,
Se a felicidade não me acompanhar
Adeus, paulistinha do meu coração,
Lá pro meu sertão eu quero voltar.
Ver a madrugada, quando a passarada,
Fazendo alvorada, começa a cantar.
Com satisfação, arreio o burrão,
Cortando estradão, saio a galopar.
E vou escutado o gado berrando,
Sabiá cantando, jequitibá.
Por Nossa Senhora, meu sertão querido,
Vivo arrepedido, por ter te deixado
Nesta nova vida, aqui da cidade,
De tanta saudade, eu tenho chorado
Aqui, tem alguém, diz que me quer bem,
Mas não me convém, eu tenho pensado,
Eu fico com pena, mas esta morena,
Não sabe o sistema que eu fui criado
Tô aqui, cantando, de longe escutando,
Alguém está chorando, com rádio ligado.
Que saudade imensa do campo e do mato,
Do manso regado que corta as campinas,
Aos domingos, eu ia passear de canoa,
Nas lindas lagoas de águas cristalinas
Que doce lembrança daquelas festanças.
Onde tinha dança e lindas meninas.
Eu vivo, hoje em dia, sem ter alegria.
O mundo judia, mas, também, ensina
Estou contrariado, mas não derrotado,
Eu sou bem guiado pelas mãos divinas.
Prá minha mãezinha já telegrafei
E já me cansei de tanto sofrer
Nesta madrugada estarei de partida
Prá terra querida, que me viu nascer
O nhambú pintado no escurecer
A lua prateada clareando a estrada
A relva molhada desde o anoitecer
Eu preciso ir prá ver tudo ali
Foi lá que nasci, lá quero morrer.

A vida do viajante
Luiz Gonzaga / Hervê Cordovil

Minha vida é andar por esse país
Pra ver se um dia descanso feliz
Guardando as recordações
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
E dos amigos que lá deixei
Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa sigo o roteiro
Mais uma estação
E alegria no coração

Minha vida é andar por esse país
Pra ver se um dia descanso feliz
Guardando as recordações
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
E dos amigos que lá deixei
Mar e terra
Inverno e verão
Mostro o sorriso
Mostro a alegria
Mas eu mesmo, não
E a saudade no coração

Carro de boi
Tonico

Meu véio carro de boi, pouco a pouco apodrecendo
Na chuva sor e sereno, sozinho, aqui desprezado
Hoje ninguém mais se alembra que ocê abria picada
Abrindo novas estradas, formando vila e povoado
Meu véio carro de boi trabaiaste tantos anos
O progresso comandando no transporte do sertão
Hoje é um traste véio, apodreceu no relento
No museu do esquecimento, da consciência do patrão
Meu véio carro de boi, a sua cantiga amarga
No peso bruto da carga, o seu coção ringido
Meu véio carro de boi, quantas coisa ocê retrata
A estrada e a verde mata, e o tempo de meu amô
Meu véio carro de boi, é o fim da estrada comprida
Puxando a carga da vida a mais pesada bagage
E abraçando o cabeçaio, o nome dos boi dizendo
O carneiro foi morrendo, chegou no fim da viagem

Oração de camponês
Xavantinho

Meu lugar é um recanto de beleza
A natureza que me deu como presente
Finquei meu rancho lá na beira do caminho
Junto a um corguinho de água limpinha e corrente
Tirei o mato e acariciei a terra
Boa semente eu plantei naquele chão
E fiz pedido a minha Santa Padroeira
Prá não deixar faltar a chuva no sertão
O tempo passa e a luta não termina
A chuva fina continua com seu véu
Igual a eu outro roceiro agradece
Deus nas alturas e os milagres no céu
Um manto verde tomou conta do roçado
Formou-se um quadro
No azul da imensidão
E na certeza de uma colheita farta
De tudo aquilo que plantei
Com minhas mãos
E para o ano a labuta continua
Lavrando a terra com carinho e devoção
Eu agradeço a minha Santa Padroeira
Quando não deixou faltar a chuva no sertão
O tempo passa e a luta não termina
A chuva fina continua com seu véu
Igual a eu outro roceiro agradece
Deus nas alturas e os milagres do céu

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