Saudosos resgates paranaenses

Saudosos resgates paranaenses

Grupo de sambistas curitibanos preparam disco com sambas inéditos e regravações históricas.

A porta já não está totalmente fechada, como nos primeiros ensaios. Fica entreaberta, deixando escapar, para a Rua Coronel Dulcídio, alguns repiques de pandeiro e macios acordes de violão. O feito acontece todas as segundas-feiras no Realejo Bar, em Curitiba. Mais do que um fruto da Oficina de Música deste ano – evento em que os sambistas se encontraram – é um resgate da música e, principalmente, do legítimo e quase esquecido samba paranaense.

Compositor Cláudio Ribeiro

O radialista e compositor curitibano Cláudio Ribeiro em certa noite se deparou com Tony do Bandolim, sambista carioca que vive no Acre. Os 3,6 mil quilômetros de distância entre Rio Branco e a capital paranaense foram nada perto da vontade em participar dos janeiros musicais curitibanos. E do encontro, fez-se música.

O projeto Como o Samba Quer e Consente, que irá resultar ainda este ano em um CD com sambas inéditos de Cláudio Ribeiro e releituras dos primeiros sambas-enredos criados no Paraná, acabava de nascer.

“Fazer samba não é um privilégio geográfico. É um dom natural de todos nós brasileiros. Temos que resgatar e revalorizar esse material”,diz Ribeiro, de 55 anos, mais de 30 deles em meio a rodas de choro e samba.

Os músicos já chegaram a gravar um disco ao vivo, com dez faixas, no Canal da Música, logo após o término da oficina. E Maé da Cuíca, autor do primeiro-samba enredo de que se tem notícia do Paraná, estava lá. O próximo passo é a gravação em estúdio das composições de Cláudio e das músicas que se faziam na finada Vila Tassi, na década de 1940, em Curitiba.

A Vila, que levava o nome do proprietário daquelas terras, era o reduto dos trabalhadores da estação ferroviária. Abrangia parte do que é hoje a Vila das Torres e o Jardim Botânico e muitos desses funcionários foram responsáveis pela fundação do Clube Atlético Ferroviário, time de futebol existente entre 1930 e 1970. Da bola à música, eram só alguns passos. “A Vila era um celeiro de bons sambistas”, disse Ribeiro, também coautor (Homero Réboli) do hino oficial do Coritiba.

O samba criado na época refletia em parte a situação dos trabalhadores da ferrovia. Eram sambas-lamento, gênero que tem em Cartola o seu maior representante. “Não era a voz de dor, nem de tristeza, mas existia um lamento nos acordes. Era esse samba que se ouvia na velha Vila Tassi”, explica o compositor.

Tony Bandolim

Para a gravação do disco – que deve ter 12 faixas – e os posteriores shows de divulgação do trabalho, um convite especial será feito às chamadas “pastoras”, outrora moças que emprestavam suas vozes aos lamentos cantados.

E o resgate já começa a aparecer. Até mesmo para aqueles que estão ligados ao projeto.

Bar Realejo – Foto Gazeta do Povo

O flautista Clayton Silva, de 22 anos, nunca tinha ouvido um samba de Maé da Cuíca. Silva toca obras eruditas e populares com desenvoltura, mas se interessou pela música feita em sua cidade há mais de 40 anos. “As letras têm uma coisa meio triste e as músicas contam uma história”, diz o jovem curitibano.

No cavaquinho está Ricardo Salmazo, de 24 anos. O estudante da Faculdade de Artes do Paraná já teve contato com os sambas da Escola de Samba Colorado, a primeira do Paraná (leia matéria abaixo), e com o próprio Maé. Sentado, tendo um copo de cerveja como companheiro, recorre a Vinicius de Moraes para explicar a arte que faz hoje. “O samba é triste por natureza. É uma tristeza gostosa, que é a sua essência. Fazer samba não é contar piada”, disse Salmazo, também curitibano.

E os ensaios continuam. Sempre às segundas-feiras, com certa cadência que reflete a própria música criada. “Fazemos sem atropelo. Para que a paixão pela proposta se dê por conta do sacrifício de cada um. O samba não tem regras. Não se deve impor regras ao samba”, conclui Cláudio Ribeiro, antes de puxar a cadeira e sentar-se na roda de músicos que aguardavam sua voz.

Publicado em 22/03/2009 | Cristiano Castilho

Gazeta do Povo – Paraná

Primeiro e último malandro

A história dos sambas-enredo no Paraná começa com um cálice de licor ingerido em 1932. Ismael Cordeiro, então com cinco anos, já era espevitado. Tomou a dose e passou mal, a ponto de fazer com que seu pai, ferroviário em Ponta Grossa, tivesse que levá-lo de vagonete para Curitiba no meio da noite.

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