Salvador Negroamor” questiona “apartheid” econômico

 

 


 

O Solar do Unhão, sede do Museu de Arte Moderna da Bahia, onde aportaram os primeiros navios trazendo negros para serem escravizados em Salvador, serviu de palco para o lançamento, do projeto “Salvador Negroamor”, que propõe uma reflexão sobre os rumos socioculturais dos descendentes destes escravos que hoje totalizam cerca de 75% da população local.

De autoria do publicitário e fotógrafo Sérgio Guerra, 45, “Salvador Negroamor” se espalhou pela cidade em 1.500 retratos que ocupam outdoors, fachadas de prédios, postes e interiores de edifícios. Com patrocínio da Petrobras, foram criadas também uma ONG e uma fundação, além do lançamento de um CD com 12 músicas de temas afros e o site www.salvadornegroamor. org.br, que pretende disponibilizar currículos de pessoas negras em busca de emprego para avaliação em empresas.

A premissa que pontua o projeto é o estigma, o preconceito racial e a falta de oportunidades para os afrodescendentes que se faz sentir mesmo numa cidade como Salvador, “a maior cidade negra fora da África”, como foi citado em vários discursos na noite de lançamento. “O fato de ser a maioria não é suficiente para os afrodescendentes se imporem como cultura dominante. Há uma espécie de “apartheid” econômico que divide essa cidade em duas. Precisamos demolir esse muro perverso”, diz Guerra.

Estigma
Se a educação e a cultura serão as molas propulsoras desta afirmação da identidade, é preciso repensar a produção cultural baiana dos últimos anos, afirma Guerra. “A disseminação da música baiana da forma como se deu nos últimos 15 anos estigmatizou e banalizou a cultura local. Confundiu-se cultura com entretenimento. A ambição do lucro a qualquer custo está distorcendo nossa percepção. É isso que faz uma parte da cidade não enxergar e não legitimar a existência da outra parte. No limite, é essa cegueira social que faz existir crianças de seis anos viciadas em crack.”

Dar visibilidade aos anônimos que habitam a periferia foi uma forma que o fotógrafo encontrou para restituir-lhes a auto-estima. Expostas no mesmo formato de campanhas publicitárias, as fotografias dão aos seus personagens seus 15 minutos de fama.

O efeito do “enegrecimento” dos outdoors é curioso pelo contraste que cria com a publicidade. Em Salvador, as peças publicitárias em sua maioria exibem top models loiras, de pele alva, impondo um modelo de beleza inalcançável, que não guarda nenhuma relação com o padrão de beleza local. Globalizar, dessa forma, é exterminar a especificidade e a originalidade do que é local para implantar a cultura e o modo de vida genérico de quem detém o poder político e econômico.

Se transformar anônimos em pseudocelebridades instantâneas, com o uso de fotografias simples na sua execução, foi a melhor forma de suscitar esse debate, o tempo dirá. Megaexposição, CD, lançamento do projeto com discursos inflamados e show de artistas renomados. Na Bahia pão e circo estão necessariamente juntos. E isso é uma das muitas virtudes que chegaram naqueles navios negreiros que um dia aportaram no Solar do Unhão. As obras ficarão em exposição pelas ruas de Salvador até 16 de fevereiro.

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