Luiz Eduardo Cheida
O Paradoxo
Paraná, 26/05/2006 – nº 52
“Entre Olha para o céu, Frederico! (1939) e O coronel e o lobisomem (1964) o mundo mudou de roupa e de penteado. Apareceu o imposto de renda, apareceu Adolf Hitler e o enfarte apareceu. Veio a bomba atômica, veio o transplante. E a Lua deixou de ser dos namorados. Sobrevivi a todas essas catástrofes. E agora, não tendo mais o que inventar, inventaram a tal da poluição, que é doença própria de máquinas e parafusos. Que mata o verde da terra e o azul do céu. Esse tempo não foi feito para mim. Um dia não vai haver mais azul, não vai haver mais pássaros e rosas. Vão trocar o sabiá pelo computador. Estou certo que esse monstro, feito de mil astúcias e mil ferrinhos, não leva em consideração o canto do galo nem o brotar das madrugadas. Um mundo assim, primo, não está mais por conta de Deus. Já está agindo por conta própria.”
Estas preocupações socioambientais brotaram da pena de José Cândido de Carvalho em setembro de 1970, desafortunado período em que nossos governantes de plantão, emitindo sinais de fumaça aos ricos países europeus, propalavam através da propaganda oficial: Vá poluir no Brasil, lá é mais seguro!
De lá para cá, nunca se viu tanto falatório sobre a questão ambiental e, ao mesmo tempo, tanta devastação.
Entretanto, esse paradoxo tem razões de existir:
Primeiro, desde então, uma nova geopolítica global tomou forma, tendo o meio ambiente como uma de suas matrizes.
Segundo, o resultado de explosão demográfica mais urbanização acelerada é o aumento de consumidores. Tudo o que se consome vem da natureza. A natureza é a mercadoria que se consome. Amplia-se a produção, reduz-se o mundo natural.
Terceiro, uma cínica estratégia de mercado tratou de confundir-se com a lógica da qualidade de vida ao apregoar as proezas da modernidade em detrimento do aparente atraso das coisas naturais.
Quarto, na global e crescente onda liberal, os já parcos compromissos dos Estados na preservação e promoção ambientais cederam mais espaço ainda às prioridades do mercado.
Quinto, as normas e leis ambientais, a despeito de multiplicarem-se, continuaram a submeter-se aos princípios do livre comércio.
Sexto, a ácida crítica ao desenvolvimentismo, pouco a pouco justificou sua domesticação nos modernos conceitos do ecodesenvolvimento e, finalmente, amansou-se no colo do que até hoje ninguém sabe o que quer dizer desenvolvimento sustentável. O objetivo permaneceu. Só trocou de nome.
O resultado foi a aceleração da exploração dos recursos naturais e consequentes impactos. Ao invés de minimizá-los, com ações concretas, concretamente fala-se cada vez mais neles e assim, tem-se a impressão de que se preocupam mais com eles.
O paradoxo não é pra ser notado. Caso seja, assim se justifica.
José Cândido de Carvalho percebeu. Por isso, profetizou um mundo desgovernado. Ou, bem governado pelas conveniências de quem quer tê-lo sob suas ordens. Mas, aí já é demais (até pra lobisomem). Acho que por isso, o nosso coronel foi embora mais cedo do que pretendia.
Que assim seja!
Para nós, os que ficam, um forte abraço e até sexta que vem.
Luiz Eduardo Cheida é médico. Prefeito de Londrina de 1993 a 1996, Secretário de Meio Ambiente do Paraná e membro titular do CONAMA até março de 2006.
Edições anteriores do Recado do Cheida estão
disponíveis no site http://www.cheida.com.br