Rangel defende “choque de capitalismo” para o Cinema

Nomeado na sexta-feira, o novo diretor da Ancine (Agência Nacional de Cinema), Manoel Rangel Neto, chega à agência com a convicção de que é “inevitável” reformular as leis do audiovisual.
Cotado como futuro presidente da agência, cargo que ficará vago em 2006, Rangel, 33, foi um dos mentores do polêmico anteprojeto da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual). Filiado ao PC do B, trabalhou nos governos Covas e Alckmin, em São Paulo, antes de se tornar assessor do ministro da Cultura, Gilberto Gil, e secretário substituto de Audiovisual do MinC.
Nominalmente comunista, defende que o cinema brasileiro precisa de “um choque de capitalismo”, em que os filmes sejam vistos como produtos e sejam rentáveis. Sobre as discussões do ano passado, o diretor disse à Folha que “alguns setores preferiram travar o debate de uma maneira pouco franca e pouco aberta”.

– Por que o governo retomou o projeto da Ancinav?
Manoel Rangel Neto – A proposta de criação da Ancinav durante o governo FHC sofreu um longo debate interno. Decidiu-se não fazer a Ancinav e conter-se apenas na Ancine. Com isso, o governo passado acabou fazendo a opção de deixar o debate sobre o processo de integração de TV para depois, discussão retomada neste governo e se avançou para enfrentar outras questões.

 – Que outras questões?
Rangel – O processo de convergência digital e tecnológica entre as diversas plataformas de distribuição de conteúdo, a necessidade de defender as empresas de audiovisual e de comunicação diante do mercado internacional e processos de fusões e incorporações entre grandes grupos de comunicação, o que poderia, e pode, criar um cenário muito difícil para as empresas brasileiras.

 – A que o sr. atribui a polêmica sobre o projeto da Ancinav?
Rangel – O que causou a polêmica foi a diferença das visões entre os atores do setor sobre como regulá-lo: qual o órgão de governo e de Estado que deve lidar com as questões do setor audiovisual? Que medida se deve adotar em relação à TV, TV por assinatura, cinema? Essas coisas devem estar juntas ou não? Deve-se tratar de questões como propriedade cruzada, cabeças de rede e afiliadas e a obrigatória presença do cinema brasileiro na televisão ou não?

– Alguns setores se negaram a entrar na discussão?
Rangel – Acho que alguns setores preferiram travar o debate de uma maneira pouco franca e pouco aberta. Preferiram debater questões que não estavam postas no projeto e dar a elas uma ênfase grande. O debate necessário era sobre a regulação do setor, de como desenvolver a capacidade do Brasil de ser produtor de audiovisual e manter as empresas competitivas no cenário mundial.

– O que entrou no debate e não estava no projeto?
Rangel – Questões sobre interferência da proposta nos conteúdos, de riscos à liberdade de expressão e da intenção do Estado de controlar a produção cultural.

– O projeto era completo?
Rangel -Ele tinha bases conceituais sólidas, que lidavam com o problema da convergência digital, da necessária integração das diversas plataformas para distribuição de conteúdos, que estabelecia mecanismos de defesa da empresa brasileira, de estímulo à produção audiovisual e que previa mecanismos que pudessem reestruturar a ação deste setor. Mas a polêmica me faz ver que a forma como se expressavam as propostas de como encaminhar a questão não estava satisfatória.

 – A idéia da Ancinav morreu ou é uma discussão inevitável?
Rangel – É inevitável. De um lado, há a questão da importância da produção de audiovisual. Um segundo grupo de questões diz respeito à revisão das leis que regem a comunicação social eletrônica. Temos um emaranhado de instrumentos legais que não dá conta da complexidade atual.

 – Com a Ancinav, o cinema poderia acabar em segundo plano?
Rangel -Acho que cinema é audiovisual. Não acredito que ele possa perder força por estar junto da produção para TV, celular, jogos eletrônicos. Pelo contrário, acho que o cinema ganha força. O que é a Columbia, se não uma empresa dentro da corporação Sony, que tem vastos interesses, da produção de eletroeletrônicos à TV, música e cinema? E a Columbia é fundamental dentro da empresa.

 – E quais os desafios que a Ancine precisa enfrentar?
Rangel -É necessário ter um sistema de informações público sobre o que acontece no audiovisual; atuar na busca de fomentos automáticos e de novos mecanismos de fomento; encontrar uma forma de ter investimentos em produção, distribuição e exibição que estejam ligados ao desempenho dos filmes; e examinar os mecanismos de fomento que a atividade tem. É preciso aprimorar o instrumento da concessão do benefício fiscal, facilitar o contato do produtor, que deve se concentrar em ser produtor, não captador.

– Muitas das questões citadas dependem do mercado…
Rangel – Todo o raciocínio é de parceria público-privada. Nossa filosofia não é a de que o Estado deva ser o operador desses negócios. Ele precisa cumprir um papel de oferecer os meios.

Entenda a polêmica do anteprojeto

No ano passado, o governo apresentou um anteprojeto que transformava a Ancine (Agência Nacional do Cinema) em Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), que regularia, fomentaria e fiscalizaria o setor audiovisual.
As normas regulatórias do projeto da Ancinav geraram polêmica, com acusações contra o governo -especialmente contra o ministro Gilberto Gil- de tentativa de dirigismo cultural, restrição à liberdade de expressão e interferência no direito à informação. As críticas, que dividiram o setor, partiram de empresas de comunicação, entidades, políticos, artistas e cineastas. Outro grupo defendia a necessidade de regulação para proteção da indústria audiovisual brasileira. Discutida no governo FHC, a idéia não foi adiante por pressões semelhantes.
O desgaste ajudou para que, em janeiro, o governo retirasse do projeto a parte da regulação, esvaziando a proposta, tendo decidido discutir um marco regulatório do setor, chamado de Lei Geral dos Meios de Comunicação de Massa.

Folha de S. Paulo  ANA FLOR

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