A Hipocrisia dos Campos e das Arquibancadas – Artigo de Cláudio Ribeiro
O futebol, esporte que nos une em paixões e memórias inesquecíveis, carrega em si um simbolismo que transcende as quatro linhas de um gramado. Ele representa histórias de superação, identidade cultural e, para muitos, um sentido de pertencimento. É com esse espírito que carrego minha ligação com o Coritiba Foot Ball Club, construída não só pela tradição familiar — meu pai foi bicampeão pelo Coxa — mas também pelo orgulho de ser coautor do hino oficial do clube, ao lado do inesquecível Homero Réboli.
Contudo, é doloroso perceber que o mesmo esporte que nos emociona ainda seja arena de um dos maiores males da humanidade: o racismo. No último clássico Atletiba, realizado no sábado (25), o zagueiro Léo Pelé, do Athletico, foi vítima de ofensas racistas. Um crime que choca e entristece, mas que, infelizmente, não surpreende em um país onde o racismo persiste como uma ferida aberta, em plena contradição com a diversidade que nos define.
A legislação brasileira tem avançado no combate a essa prática criminosa. Desde 2009, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê sanções severas para atos de racismo, incluindo a suspensão de indivíduos, multas e perda de pontos para clubes cujas torcidas cometam essas infrações. Mais recentemente, a lei sancionada pelo presidente Lula, em 2023, tornou o crime de injúria racial inafiançável e imprescritível, com penas mais severas para delitos cometidos em eventos esportivos.
Mas, apesar das ferramentas legais, o racismo no futebol ainda não foi banido, porque as ações práticas não têm sido tão contundentes quanto o discurso. Quando o crime ocorre, vemos indignação, notas de repúdio e promessas de combate. Mas e as punições exemplares? Elas raramente são aplicadas com o rigor necessário.
A Hipocrisia dos Campos e das Arquibancadas
É impossível ignorar o paradoxo de ver torcedores bradando palavras de ódio racial enquanto celebram gols de atletas negros. Esses mesmos atletas que, com sua genialidade, trazem glória aos clubes e corações às torcidas. Como podemos tolerar essa hipocrisia? O que explica o silêncio de tantos quando o crime acontece diante de nossos olhos?
O futebol é um reflexo da sociedade, e o racismo nos estádios é uma amostra da discriminação estrutural que mancha nosso cotidiano. Não podemos mais tratar esses casos como “exceções” ou como atitudes de “indivíduos isolados”. O racismo é um problema coletivo que exige respostas coletivas.
Os clubes, além de cumprir rigorosamente as punições legais, precisam investir em campanhas educativas para torcedores, jogadores e dirigentes. É necessário criar um ambiente onde o preconceito seja tão inaceitável quanto uma mão na bola.
E, a nós, cabe fazer barulho — não o barulho vazio das vaias, mas o das cobranças. Exigir mudanças. Insistir para que nossos clubes, federações e lideranças tratem o racismo como o crime que é.
Meu sonho, como torcedor, como cidadão e como ser humano, é que o futebol volte a ser o que deveria ser: um espaço de celebração, união e inclusão. Um lugar onde todos possam se reconhecer na paixão pelo esporte, sem medo de ofensas ou discriminação.
Marcar um gol contra o racismo não é apenas uma metáfora. É uma necessidade. E enquanto isso não acontece, os gritos de gol nos estádios brasileiros continuarão ecoando com um silêncio ensurdecedor: o silêncio de uma sociedade que ainda não aprendeu a tratar todos os seus filhos como iguais.
Vamos erguer essa bandeira. Chegou a hora de o futebol brasileiro dar um cartão vermelho definitivo ao racismo.
Cláudio Ribeiro
Jornalista – Compositor
Faça um comentário