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A Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira tem, desde o início do mês, um novo diretor executivo. Com a ida de José Gustavo de Souza Costa – que ocupou a função até agosto – para a presidência do Metrô, assumiu o posto o pianista Luiz Fernando Benedini, ex-cônsul do Brasil em Miami e ex-embaixador na Costa Rica. Entre as atribuições do cargo está não só a administração da verba prevista em orçamento (da ordem de R$ 10 milhões este ano) e de todo o setor administrativo da fundação, mas também a captação de novos recursos para a instituição.
No momento em que a orquestra passa por uma série de reestruturações com a chegada do maestro Roberto Minczuk e a retomada do calendário – a camerata da OSB se apresenta hoje, às 17h, na Lona Cultural Gilberto Gil, em Realengo -, o novo diretor já tem dois desafios nesses primeiros dias de atividade. O primeiro, que já parece grande, foi encontrar um novo solista para o concerto da orquestra completa, na quarta-feira, às 20h, no Teatro Municipal, pela série Noturna, com duas obras de Beethoven e uma de Brahms. O violinista que tocaria, Omar Güey, foi atropelado na quarta-feira passada em Nova York, quando andava de bicicleta.
Mas é o segundo desafio de Benedini, ainda em aberto, o mais espinhoso: driblar o clima de desconfiança que surgiu na comunidade musical ao vir à tona uma história de seu passado recente: o Itamaraty o demitiu, em setembro de 2002, sob acusação de improbidade administrativa e mau uso do cargo e do dinheiro público.
Na época de sua demissão, o embaixador, que atuava junto ao governo da Costa Rica, foi condenado por infringir os artigos 117 e 132 da lei nº 8.112 enquanto servia em Miami. Benedini teria feito uso de dinheiro do consulado para comprar imóveis de uso pessoal. A portaria de exoneração data de 29 de agosto de 2002 e foi publicada no Diário Oficial da União em 2 de setembro daquele ano, com assinatura do então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer.
Benedini disse não se sentir contemplado com o direito à ampla defesa. Alegando, entre outros argumentos, que a comissão não ouviu todas as testemunhas que ele considerava relevantes e colheu outros depoimentos sem lhe dar prévio conhecimento, Benedini procurou o Superior Tribunal de Justiça e obteve um mandado de segurança garantindo sua reintegração ao Itamaraty.
– Foi uma situação traumática na época. Mas isso já está resolvido. Não acredito que terei problemas com os músicos e outros funcionários da orquestra por causa disso. Já toquei com a OSB várias vezes em minha carreira e o relacionamento é bom – diz Benedini.
O presidente da Fundação OSB, Roberto de Andrade, não crê que o processo possa manchar o currículo do pianista e administrador:
– Não conhecia Benedini pessoalmente nem sabia que ele havia sido exonerado do Itamaraty. Mas, antes de ser contratado pela fundação, ele próprio me apresentou documentação que comprovava a sentença favorável a ele.
Indicado por um concertista cuja identidade Andrade não quis revelar, o nome de Benedini foi indicado ao conselho curador da OSB, que o aprovou após apreciar seu currículo.
– Acho que Benedini cumprirá bem a tarefa de comandar a busca e controlar a saída de dinheiro da orquestra – argumenta Andrade.
O Ministério das Relações Exteriores, com base na decisão que concedeu mandado de segurança a Benedini em 13 de dezembro de 2004, informou por meio de sua assessoria de imprensa, que acata a decisão do STJ mas reitera que esta se baseia em questões processuais, sem questionamento efetivo do mérito – se houve ou não mal uso de recursos da União. Para o Itamaraty, o mandado de segurança não inocenta o diplomata e medidas judiciais cabíveis serão tomadas em momento que a instituição julgar apropriado.
Procurado para comentar a contratação do novo diretor executivo, o violinista Ubiratã Rodrigues, presidente da comissão que representa os músicos da OSB, preferiu não emitir opinião:
– O que posso dizer é que fiquei sabendo da chegada dele por uma circular oficial. A comissão não foi consultada sobre o assunto em nenhum momento.
Dizendo-se um ”otimista inveterado”, Benedini acredita que o fato de ser músico vai facilitar seu diálogo com toda a orquestra e que sua experiência, tanto na área artística como na administrativa, lhe dará uma percepção mais rápida dos problemas cotidianos da OSB.
– São raros os profissionais disponíveis no Rio com esse perfil. Cito como exemplo essa fatalidade do Güey. Se eu não fosse do meio musical, teria mais dificuldade de encontrar um violinista que o substituísse – afirma o diretor.
Até sexta-feira, o nome mais cotado para a substituição era o de Daniel Guedes, que foi spalla da OSB em 2003, o mais jovem que a orquestra já teve no posto.
Cético em relação ao futuro da OSB, o crítico de música Clóvis Marques, afirma que a figura do diretor e seu passado não são o mais importante num momento em que a OSB anuncia aos quatro ventos a sua recuperação.
– A pergunta que não quer calar é: Benedini ou Minczuk vão conseguir devolver à OSB o prestígio que ela já teve um dia? – questiona Marques.
O ceticismo do crítico se estende à própria orquestra:
– Hoje não tenho vontade de ouvir a OSB. A orquestra está ruim. O Minczuk vai precisar, entre outras coisas, de muito dinheiro para recuperar a orquestra. Vamos ver se o Benedini conseguirá investimentos – desafia.
O presidente da fundação afirma que Benedini tem uma tarefa árdua pela frente, mas diz que já notou um bom relacionamento entre o novo diretor executivo e Minczuk, que é também diretor artístico.
– Uma das funções de Benedini será frear as ambições do maestro. Mas as economias necessárias não podem comprometer a qualidade da programação do próximo ano – diz Andrade.
O pesquisador de música Sérgio Nepomuceno, estudioso da história da OSB e autor do livro Orquestra Sinfônica Brasileira 1940-2000, julga Benedini um músico bem quisto entre seus pares:
– Não sabia de toda essa polêmica (com o Ministério das Relações Exteriores), mas sei que ele obteve êxito em todas as vezes que tocou com a orquestra. É bom ter um homem da música na função administrativa.
Benedini, 58 anos, foi, ao lado de Arnaldo Cohen, discípulo do pianista cearense Jacques Klein. Um dos poucos instrumentistas a ter pleno trânsito entre a música erudita e a popular, Klein foi superintendente da OSB – cargo equivalente ao atual posto de Benedini – na época em que Isaac Karabtchevsky era o diretor artístico da orquestra e criou o projeto Aquarius, em 1972.
– Essa função me traz uma memória muito inspiradora – diz Benedini, que, no cargo há pouco mais de uma semana, tem gastado os dias estudando a atual situação financeira da fundação.
Segundo Benedini, as prioridades são manter em dia a folha de pagamento e não fechar o ano no vermelho:
– Toda empresa tem um déficit previsto, mas pretendo ter um saldo positivo no fim de 2005.
Para o próximo ano, quando toda a administração será de sua responsabilidade, Benedini diz ter a intenção de fazer com que a Fundação OSB, uma entidade privada sem fins lucrativos, faça o melhor uso possível das leis de incentivo à cultura:
– Devemos aproveitar a vantagem de sermos um nicho de mercado diferenciado. A OSB é um produto com excelente imagem, uma marca tradicional. Isso vai ajudar muito a conseguir parcerias.
Carioca, Benedini é casado, pai de quatro filhos e se divide entre Rio e Nova York. Nas duas metrópoles mantém casas (e não apartamentos), devido aos estudos de piano, que hoje se resumem a duas ou quatro horas diárias, mas que já ocuparam 12 horas de seu dia. Os ensaios são intensificados em época de concerto.
Por causa da carreira diplomática, nunca pude me dedicar integralmente à carreira de pianista. A partir de agora terei de passar mais tempo no Brasil, mas ainda tenho uma agenda a cumprir nos Estados Unidos, com concertos, recitais e master classes – explica.