Quadrilhas juninas lutam pela sobrevivência

Tradição cultural secular trazida diretamente de Lisboa por Dom João VI, as quadrilhas juninas chegaram ao Brasil como uma dança de salão executada apenas pela corte e elite europeia. Uma vez em terras tupiniquins, a “quadrille”, como era conhecida em francês, sofreu grandes transformações e acabou ganhando o nome de quadrilha, numa tentativa dos serviçais de imitar as danças que viam nos bailes promovidos nos casarões da elite. Da corte, a dança se espalhou pelo país e acabou ganhando o povo brasileiro, sendo ainda mais tradicional no nordeste. As quadrilhas então se tornaram uma marca do período junino. O que antes era uma festa popular que não envolvia ensaios orquestrados, figurinos elaborados e competições, virou uma manifestação cultural carregada de profissionalismo.

 

 

Os grupos de quadrilhas juninas categorizados como profissionais são formados por diretorias e possuem uma organização administrativa. As pessoas que assumem esses cargos ficam responsáveis por diversos aspectos da produção e da apresentação, como cronogramas de ensaios, escolha de tema, acompanhamento dos custos, entre outras funções. Augusto Reis, um dos diretores da quadrilha Capelinha do Forró, de Salvador, contou ao Bahia Notícias como funciona a organização deles: “Somos oito membros na diretoria, apesar de ter toda a formação jurídica, nós funcionamos realmente como diretório e tudo é decidido através de voto, é uma coisa bem democrática”.

 

 

Além dos membros do diretório, outros integrantes da quadrilha também fazem parte do grupo de forma voluntária. A cada um deles, é requisitada uma quantia média de R$ 1 mil para arcar com os custos do figurino e adereços que serão utilizados durante a apresentação. “Claro que essa quantia é dividida em várias parcelas dentro dos muitos meses que a gente já vem fazendo o trabalho”, explica Augusto. Como nem todo mundo que participa tem condições de pagar, o grupo elabora artifícios como bingos, festas e rifas para arrecadar dinheiro e ajudar a custear a quadrilha. “Temos gastos com os figurinos, cenários, equipes de profissionais que são contratados, a banda, custo com o marcador, que é o responsável por animar e puxar a quadrilha, com as pessoas que fazem os adereços e também temos os gastos com os coreógrafos”, pontua Mariete Lima, presidente da quadrilha Forró do ABC, também de Salvador.

 

A organização das quadrilhas para o São João se iniciam em julho, assim que as apresentações daquele ano são finalizadas. De acordo com o Presidente da Federação Baiana de Quadrilhas Juninas (Febaq), os grupos levam praticamente um ano inteiro “desenvolvendo, criando e projetando” os trabalhos para que possam ser apresentados durante o próximo período junino. Tanto Mariete quanto Augusto se reúnem com suas equipes assim que o mês de junho se encerra. “Por essa questão da temática, elaboração de figurino, questões e elementos coreográficos, a gente já começa a trabalhar logo após o término do ciclo junino do ano anterior, uma média de 11 meses de antecedência mais ou menos é o nosso processo”, conta o diretor. “A gente não para, os outros setores da quadrilha ficam de ‘férias’ e são convocados de acordo com as demandas”, afirma a presidente.

 

 

As apresentações realizadas pelas quadrilhas juninas, em um concurso que segue as regras da Febaq, duram 25 minutos. Os participantes têm 15 minutos para arrumar o cenário na quadra e organizar sua banda no palco. Segundo o presidente da federação, alguns grupos, principalmente aqueles do interior, utilizam cds ou pen drives no lugar de uma banda. Após a apresentação, as quadrilhas dispõem de 5 minutos para deixar a quadra e retirar todo o seu material, incluindo os equipamentos de som. Ao todo, os processos de apresentação dos grupos juninos duram 45 minutos. A presidente do Forró do ABC contou ao BN que quando eles realizam alguma apresentação particular, a performance pode chegar a 30 minutos: “Quando terminamos a dança, ainda fazemos brincadeiras com os convidados que estão no evento”.

 

No que se refere ao investimento necessário para uma apresentação, Mariete relaciona o custo das quadrilhas ao das escolas de samba. “Hoje para você fazer um grande trabalho você não gasta menos de R$ 150 mil porque existe todo uma equipe de contratados que são estritamente profissionais, então você tem gastos em todos os processos, sendo necessário um apoio”, pontua. É justamente no quesito financeiro que reside o maior problema enfrentado pelas quadrilhas atualmente. “Aqui na nossa cidade, nós não temos nenhum recurso e nenhum edital vindo da prefeitura ou do governo que beneficia as quadrilhas juninas, também não temos apoio de nenhum grupo privado”, lamenta a representante do Forró do ABC.

 

 

 

Apesar de ser uma manifestação cultural típica do nordeste, inclusive da Bahia, as quadrilhas juninas vem enfrentando dificuldades no que diz respeito ao apoio dos órgãos públicos. Para ter uma ideia da crise pela qual os grupos estão passando, estima-se que há alguns anos atrás haviam mais de 100 quadrilhas, somente em Salvador, enquanto hoje, apenas quatro delas sobrevivem, por enquanto. “Infelizmente a capelinha está no seu último ano”, revela Augusto. “São 20 anos de luta, tentando batalhar pra colocar esse grupo na rua, mas em 2019 a gente já não vai mais estar fazendo parte desses grupos, por causa de todas essas dificuldades financeiras”, contou. Com o fim da Capelinha, serão apenas três grupos na capital baiana. No entanto, segundo Augusto, pode ser que eles também não resistam, já que enfrentam os mesmos problemas.

 

 

Os dois representantes das quadrilhas concordam que falta apoio estatal para que os grupos continuem seus trabalhos. “Para os nossos governantes o Carnaval dura 12 meses do ano, e eles não respeitam a nossa cultura de um modo geral, eu falo principalmente pela cultura junina que é tão rica”, aponta Mariete. Durante a conversa com o BN, a presidente citou iniciativas realizadas por outros estados para incentivar a cultura dos grupos juninos. Em cidades como Fortaleza, Recife e Aracaju, o São João dura 30 dias e as quadrilhas dançam nos aeroportos, ficam nas rodoviárias, nos shoppings, nas ruas. “Existe todo um abraço pelas quadrilhas juninas”, opina Mariete. “O que falta é investimento nessa cultura. Infelizmente as quadrilhas vem ficando pra trás e esse movimento vem morrendo a cada ano que passa”, finaliza Augusto.

 

FONTE

Compartilhar:

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*