Auto-retrato e mosaico cultural brasileiro, o projeto Revelando os Brasis terá seus resultados apresentados hoje no Rio. São 40 documentários curta-metragem, de 15 minutos cada, em vídeo digital, feitos por pessoas originais de 21 Estados. Os realizadores não tinham até agora nenhuma afinidade com o audiovisual – mas, em compensação, uma boa história para contar. O projeto é uma parceira do Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, com o Instituto Marlin Azul, de Vitória, com apoio do Banco do Nordeste.
Partindo do princípio de que não basta garantir à população apenas o acesso aos filmes, mas também a noções da linguagem do audiovisual, o MinC lançou em agosto do ano passado um concurso de histórias. As inscrições estiveram abertas exclusivamente em municípios de até 20 mil habitantes – um universo de 4.023 cidades. Para participar, os interessados enviaram textos contando as histórias (reais ou de ficção) que gostariam de transformar em vídeo.
Foram mais de 400 inscrições. Os 40 vencedores foram ao Rio fazer um curso básico de cinema, entre os dias 22 e 29 de novembro do ano passado. Ali, sob a orientação de profissionais, aprenderam noções de roteiro, operação de câmera, som e produção. No grupo, estavam desde professores universitários, estudantes, analfabetos e até mesmo gente que nunca tinha ido ao cinema. “Os perfis dos participantes são totalmente diversificados. O mais novo tem 18 anos, e o mais velho 80”, diz Beatriz Lindenberg, do Instituto Marlin Azul, de Vitória, parceiro do MinC no projeto. “As histórias também são diversificadas, são versões muito particulares de vários brasis.”
Está lá a história contada por José Ventura Lins, de Canindé de São Francisco (Sergipe). Com 80 anos e semi-analfabeto, que trabalhou como vaqueiro nas fazendas da região, ele relata seus 65 anos de cavalhada em Canindé, desde a primeira que participou, em 1939, até os dias de hoje, no filme Zé Leobino – 65 Anos de Cavalhada em Canindé.
As festas no interior, como a cavalhada de Zé Leobino, a vida no sertão, etnias, paisagens, profissões e até o sobrenatural foram tema dos documentários. Luciana Ferreira Nantes, 20 anos e estudante de Comunicação, vem com a incrível história dos extraterrestres que vez por outra aparecem em Corguinho (MS).
Outro documentário que merce destaque é Inquilino, de Ériton Bernardes Bercaço. Filmado em Muqui, no Espírito Santo, mostra a vida de Seu Brilhantino, um homem se recusou a deixar suas terras depois de perdê-las, há mais de 30 anos, passando a morar desde então em uma caverna em sua antiga propriedade. A história tem paralelo com Documentário sobre Chico Abelha, de Uiara Maria Carneiro da Cunha, de Monteiro Lobato (SP). Chico Abelha mora no meio da mata, na Serra da Mantiqueira, de onde só sai para apresentar um programa da rádio comunitária da cidade. “Dos 40 filmes, 26 são documentários e 14 ficções”, explica Beatriz. “Para a seleção contou a originalidade da proposta. Precisávamos também de histórias que fossem acessíveis a qualquer pessoa, até mesmo aos que nunca foram ao cinema.”
MILAGRES
Chamado de “a menina dos olhos do ministro Gil”, o Revelando os Brasis não teve espaço apenas para os anônimos. O cineasta Nelson Pereira dos Santos foi convidado pelo projeto para realizar um documentário em homenagem à cidade de Milagres, na Bahia, que tem uma história de intimidade com o cinema. Lá foram feitos nada mais, nada menos que sete filmes: O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha; Entre o Amor e o Cangaço (1965), de Aurélio Teixeira; Os Deuses e os Mortos (1970) e Os Fuzis (1964), ambos de Ruy Guerra; Central do Brasil (1998), de Walter Salles; o curta-metragem A Mãe (1998), de Fernando Belens; e um episódio da série de documentários Rio-Bahia (1958), de Nelson Pereira dos Santos. Também inspirou uma produção internacional: Trópicos (1969), do italiano Gianni Amico.
Cidade única no Brasil, a 232 quilômetros de Salvador, ela foi escolhida para receber o lançamento do projeto. Os Fuzis, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e Central do Brasil foram exibidos em praça pública. Muitos dos moradores, que trabalharam como figurantes, ainda não tinham visto os filmes. “É uma cidade que vive e respira o cinema”, diz Beatriz. “Achamos esse elemento muito representativo para o projeto em si, que é a valorização das pessoas comuns.”
O documentário de Nelson, Cinema Milagres, conta a história da cidade e como o cinema interferiu na vida de seus moradores. Ele e os 40 filmes do Revelando os Brasis serão exibidos hoje na Casa de Cultura Laura Alvim, com a presença do ministro Gil, do secretário do Audiovisual, Orlando Senna, e de alguns dos realizadores. Agora, antes de lançar a segunda edição do concurso, o MinC pretende levar a mostra para o máximo de lugares possíveis no País – a primeira escala será nas suas cidades de origem.