A poucos dias de reestrear no Festival de Curitiba, o premiado espetáculo A Mulher Monstro, da trupe Sem Cia. de Teatro, foi censurado pela Prefeitura da capital paranaense. O pretexto da perseguição é político: a peça se baseia em declarações polêmicas de personalidades como o presidente Jair Bolsonaro. Apoiador do governo direitista, o prefeito Rafael Greca (PMN) proibiu a encenação no Memorial de Curitiba, um dos equipamentos municipais que abrigam sessões do festival, no Centro Histórico.
A censura imposta pela Prefeitura é ainda mais vergonhosa porque a peça já foi exibida na própria cidade, há dois anos, durante o Festival de Curitiba de 2017. Na ocasião, todas as sessões estavam lotadas – o que ajudou a promover o espetáculo. Desde então, a peça recebeu aclamação por onde passou: 12 cidades brasileiras, de sete estados, em três regiões do País, totalizando 62 sessões e 7 mil espectadores.
Mesmo sob perseguição e com prejuízos diante do veto autoritário – e mesmo sofrendo ameaças nas redes sociais –, a Sem Cia. de Teatro não se curvou. A trupe nordestina, fundada em 2012 em Natal (RN) e sediada também no Recife (PE), decidiu se apresentar em local aberto, num protesto em defesa da arte, da liberdade e da democracia. “Como resistência, a apresentação teatral será no formato de rua e com livre acesso ao público”, informou o grupo, em nota.
Agora, quem está em Curitiba terá quatro oportunidades de ver A Mulher Monstro – nas noites de quinta-feira (4/4) a domingo (7), sempre às 19 horas, nas Ruínas de São Francisco (Praça João Cândido). A peça é dirigida e protagonizada por José Neto Barbosa.
Sobre a peça
A Mulher Monstro, uma colagem de declarações lamentáveis, polêmicas e verídicas, foi livremente inspirada no conto Creme de Alface, de Caio Fernando Abreu, escrito em 1975 sob ditatura militar, mas só lançado em 1994. Para a construção do texto, a Sem Cia. de Teatro também buscou opiniões nas redes sociais e nas ruas, além de observar a postura de políticos e figuras públicas, como Bolsonaro e seus aliados. A estreia ocorreu em julho de 2016.
Há, na trama, uma contundente denúncia às mais variadas faces da intolerância, como xenofobia, racismo, sexismo, gordofobia, homolesbotransfobia e machismo. “A tragicomédia fala do desrespeito para além do preconceito”, resume a trupe. No enredo, uma mulher burguesa, falsa cristã, é perseguida pela própria visão intolerante da sociedade, a ponto de não saber lidar com a solidão e suas relações num tempo de ódio, golpes e corrupções vistos sem vergonha. A personagem foi inspirada na figura da Mulher Konga, presente em parques e circos nordestinos.
Em 2017, a Academia de Artes no Teatro do Brasil concedeu a José Neto Barbosa o Prêmio Cenym de Melhor Monólogo do Teatro Nacional por sua interpretação na peça. Mesmo sem grandes patrocínios, A Mulher Monstro já participou de 14 eventos culturais, como festivais e mostras – tanto nacionais quanto internacionais.
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