No primeiro contato que teve com os índios tupiniquins, no litoral sul da Bahia, Pedro Álvares Cabral apresentou a dois deles, no dia 24 de abril de 1500, os alimentos que trazia em suas naus: carneiro, galinha, pão de trigo, peixe cozido, confeito, fartéis, vinho, mel e figos passados.
“Não quiseram comer daquilo quase nada; se alguma coisa provavam, lançavam-na logo fora”, relatou em sua carta Pero Vaz de Caminha. Ele mesmo descreve outra visita de dois índios, cinco dias depois: “Comeram toda a carne que lhes deram”.
Foi a comida _os temperos indianos em especial_ que lançou os portugueses aos mares. Mas a aventura culinária que se iniciou após o Descobrimento do Brasil nada tinha da bem planejada e executada expansão marítima.
Há uma tendência generalizante quando se trata de história do Brasil: agrupar na categoria índios os diversos grupos humanos que aqui habitavam. Os europeus, na prática, sabiam que não era assim e se utilizavam da inexistência de unidade política para promover a conquista e a defesa do território, aliando-se a certos índios contra tribos rivais.
Esse equívoco é menor, no entanto, quando o assunto é alimentação: na hora de comer, pode-se dizer que já havia, no Brasil, um país _a Terra da Mandioca.
Da mandioca, fazia-se a farinha, a tapioca, o beiju, bebidas alcoólicas. Comia-se mandioca na forma de farinha pura, misturada com carne, frutas, vegetais. A macaxeira (mandioca doce) também servia de alimento, assada ou cozida. O cultivo e a sofisticada técnica de preparo da raiz, para que se desfaça do ácido cianídrico, venenoso, teriam sido apresentados pelos aruaques aos índios de língua tupi. O produto dominava o território em 1500 _e ainda é fundamental para o sustento do país.
Os índios tinham outros cultivos, como o das batatas e do amendoim. Também não se pode negligenciar o papel de frutos como o caju na alimentação indígena. Mas nenhum outro alimento era tão importante quanto a mandioca e seus “pratos”: pirão, mingau e paçoca são só alguns dos vocábulos deixados por essa cultura. Como o trigo europeu não se adaptava às terras novas, o colonizador teve de se habituar com a raiz, ainda que a contragosto. Um ministro da Marinha de d. João 6º, no início do século 19, que se negava a comer produtos brasileiros, devorou um prato de doces. Ao saber que eram feitos da goma da mandioca, e não de trigo, vomitou. A aversão, no entanto, não podia ser regra, e a farinha de mandioca passou a ser a ração que mantinha a Colônia, passando a integrar as receitas de bolos, caldos, cozidos e outros pratos da cozinha portuguesa.
Antes de Cabral, a carne vinha da caça. “Normal e genericamente, o alimento era assado”, conta o folclorista Luis da Camara Cascudo (1898-1986), em “História da Alimentação no Brasil”. Os relatos dos viajantes do século 16 costumam descrever o moquém, mecanismo usado para assar a carne. Um deles (Jean de Lery) escreve: “Os selvagens a preparam a sua moda, moquando-a; os americanos enterram profundamente no chão quatro forquilhas de pau, enquadradas à distância de três pés e à altura de dois pés e meio; sobre elas assentam varas com uma polegada ou dois dedos de distância uma da outra, formando uma grelha de madeira”.
Mas a função primeira do moquém não era o preparo para o consumo imediato da carne, e, sim, sua conservação. “Equipara-se ao fumeiro europeu”, comparou Cascudo, que relaciona outros modos de cozer (como fornos) carnes e peixes.
Em suas viagens, os portugueses trazem para o Brasil e daqui levam toda sorte de alimentos. A mandioca e o amendoim conquistaram a África, e coqueiros e novos bananais passaram a fazer parte da paisagem da América.
Para o Brasil, também trouxeram novas fontes de proteína: galinha, carneiro, gado bovino, pato, porcos, gansos.
Os índios não se adaptariam de pronto a todas elas. Criavam, por exemplo, as galinhas, mas apenas para vender ovos e animais ao engenho, e não para comê-las.
A ave continuaria sendo considerada como iguaria de festa, como indica uma estrofe satírica, registrada em 1821 e cantada no Recife contra o governador: “A mulher de Luís do Rego/ Não comia senão galinha;/ Inda não era princesa/ Já queria ser rainha”.
É no tempero, entretanto, que o português dá sua principal contribuição à culinária da Colônia. Impõe o gosto pelo sal, quase não utilizado pelos índios e pelos africanos, e ensina a salgar a carne para preservá-la. Cozinhar bem era e é “ter boa mão de sal”. Outras especiarias tornaram-se presentes, como o cravo-da-índia, a erva-doce, a canela e o alecrim.
As índias (cunhãs) tiveram de cozinhar de acordo com o gosto europeu, mas com os ingredientes que tinham à mão. De ordens e gostos europeus, de mãos e conhecimentos indígenas (e africanos, posteriormente) e de alimentos de todos os cantos do mundos: assim começa a história da cozinha brasileira.