Escritos da pensadora marxista; um ensaio sobre sua vida e lutas; artigos de Michael Löwy e Isabel Loureiro analisando suas arrojadas ideias.
Em um conhecido artigo, Lênin definiu Rosa Luxemburgo como uma “águia” da luta revolucionária. Mesmo seus adversários – ainda que pontuais, como no caso do russo – conheciam sua combinação de rigor e criatividade na formulação teórica com consequência e decisão na atuação política. Não por acaso, os inimigos da Revolução Alemã a tomaram como alvo prioritário – e a assassinaram há 104 anos, no dia 15 de janeiro de 1919, dando um golpe fulminante nos socialistas alemães e de todo o mundo.
Para conhecer a vida e a obra de Rosa Luxemburgo, o livro Rosa Luxemburgo ou o preço da liberdade, organizado por Jörn Schütrumpf e editado no Brasil pela Fundação que leva o nome da revolucionária judia-polonesa, é indispensável. Um volume útil tanto para os que querem dar os primeiros passos para conhecer o marxismo de Rosa quanto para os mais iniciados, que gostariam de se aprofundar nele pelos caminhos de uma análise crítica.
O alemão Schütrumpf, responsável pela organização dos escritos, é um dos principais pesquisadores internacionais a se especializarem no estudo da vida e obra de Rosa Luxemburgo. Ele assina Entre o amor e a cólera, que abre o livro. O texto é uma espécie de pequeno perfil da vida de Rosa, suas ideias e sua memória. No ensaio, o historiador dedica menos tempo a aspectos estritamente pessoais de sua vida (merecedores de mais detalhamento em outro tipo de trabalho biográfico, talvez) e se debruça com mais vagar sobre sua militância, os embates teóricos em que interveio no interior do SPD e da II Internacional, as posições que tomou neles, bem como em seu prolongado impacto posterior.
Schütrumpf aponta que, da União Soviética à Alemanha Oriental, sem falar dos diversos grupúsculos ocidentais de esquerda que até mesmo se denominam luxemburguistas (categoria representado no Brasil pela Liga Socialista Independente dos anos 50, composta por nomes como Paul Singer, Eder e Emir Sader, Maurício Tragtenberg e Michael Löwy), a figura de Rosa e partes de seu legado teórico foram muito cobiçadas para a construção de uma imagem revolucionária – nem sempre em plena coerência com o conjunto de seu pensamento político.
Löwy, aliás, assina um dos artigos da segunda parte da obra, composta por artigos que dialogam com os desenvolvimentos conceituais do marxismo propostos nas obras teóricas de Rosa, doutora em Economia pela Universidade de Zurique (uma das primeiras mulheres no mundo a conquistar esse título acadêmico, vale dizer).
A contribuição do sociólogo franco-brasileiro sublinha a atenção que Rosa deu para as sociedades comunistas primitivas, inclusive as das Américas, em suas pesquisas. Isabel Loureiro, provavelmente a pensadora brasileira que mais se dedicou a entender e difundir o marxismo de Rosa, entra com um ensaio sobre a histórica formulação da polonesa sobre a acumulação primitiva, também relacionando-a à atenção que a militante reservou às partes não-centrais do mundo capitalista.
Já o escrito do autor alemão Michael Krätke aborda o impacto de suas ideias no campo de discussões da Economia de forma mais geral, enfatizando as polêmicas que as envolvem. Em Outros Quinhentos, apresentamos no ano passado um grande exemplo do pensamento econômico contemporâneo que retoma o diálogo com Rosa, percebendo o valor de suas teses sobre a acumulação primitiva e indicando a periferia do Globo como espaço de desenvolvimento desse fenômeno.
Por fim, o volume organizado por Schütrumpf oferece algo essencial para que seus leitores construam suas próprias impressões junto às interpretações reunidas nas outras partes do livro: uma seleção bastante ampla de escritos da própria Rosa Luxemburgo, abarcando diferentes momentos de sua trajetória política e diversos gêneros a que se dedicou. Do panfleto à carta pessoal, do artigo de polêmica partidária interna à digressão literária.
Estão incluídos o célebre manuscrito A Revolução Russa, de polêmica (fraterna mas dura) com o bolchevismo; Sobre cisão, unidade e saída, que marca seu rompimento com a social-democracia alemã em 1914; A tática da revolução, escrito de orientação para as ações dos revolucionários poloneses, esmagados sob o jugo dos impérios russo e alemão; No albergue, comovente artigo de denúncia das mortes por miséria nas prósperas metrópoles capitalistas; Meu pobre búfalo, meu irmão querido, uma carta à esposa de Karl Liebknecht, encarcerado por sua oposição à guerra; e Segredos de um pátio de prisão, texto inédito no Brasil, em que podemos conhecer melhor o lado literário de Rosa.
De conjunto, o volume da Fundação Rosa Luxemburgo é uma homenagem à altura da revolucionária homônima, e do melhor tipo – que amplia a familiaridade da esquerda com sua vida e obra e ajuda a inserir o marxismo de Rosa nas discussões políticas que têm sido e ainda serão travadas nestes anos decisivos para a construção de um Brasil radicalmente mais justo, fraterno e igualitário.
Artigo publicado originalmente no Outras Palavras.
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