Por que ler Revolução Laura, de Manuela D’Ávila

Manuela D’Ávila se elegeu vereadora de Porto Alegre (RS) com 23 anos e deputada estadual no Rio Grande do Sul com 25. Anunciada pré-candidata do PCdoB à Presidência aos 36, acabou por concorrer, um ano depois, como vice na chapa de Fernando Haddad. De fenômeno político regional, tornou-se referência da cena brasileira. Nenhum desses feitos extraordinários e precoces, porém, transformou mais sua vida pessoal do que a maternidade – e é disso que trata Revolução Laura.

 

Por André Cintra

Foto: Facebook Manuela Davila

Manu e Caetano, no lançamento do livro na Bahia Manu e Caetano, no lançamento do livro na Bahia

Publicado pela editora Belas Letras, o livro de Manu já foi lançado nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. O público nos eventos de lançamento tem sido surpreendente e diversificado. Em Salvador (BA), onde até o mais ilustre dos baianos, Caetano Veloso, marcou presença, os 400 livros separados para a sessão de autógrafos se esgotaram. É um indício de que a líder gaúcha acertou a mão ao contar – de forma “não linear”, conforme ela frisa – sua experiência como, digamos assim, uma mãe no olho do furacão.

 

Um furacão que não tardou a se revelar. Laura nasceu em 27 de agosto de 2015, nove dias depois de Manu completar 34 anos. O pai, o músico Duca Leindecker, tinha uma agenda de shows programados. Na medida do possível, Manu procurou acompanhar o marido, levando a filha recém-nascida. Em outubro, quando Laura tinha menos de dois meses de vida e estava num show do pai, uma mulher começou, do nada, a xingar Manuela e atacar a bebê, que estava num sling.

 

A cena foi tão rápida quanto desconcertante. “Eu nem tive tempo para reagir. Quando percebi ela [a mulher] já estava longe. Não lembro direito de nada”, registra Manu, no início do livro. “Esta agressão, por mais contraditória que possa parecer, mudou o rumo de nossas vidas. Ali decidi que ia carregá-la mais comigo, protegê-la mais.”

 

Desde então, as aparições públicas de Laura ficaram, de fato, frequentes. Numa delas, Manu foi fotografada enquanto amamentava em meio à sessão de uma comissão parlamentar da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. A foto viralizou nas redes sociais e foi alvo de um sem-número de comentários machistas – mas também de uma onda de solidariedade. Aos poucos, Manu foi descobrindo os tabus de um tema que, em tese, deveria ser o mais natural possível, de tão corriqueiro.

 

“Levar Laura comigo tornou-se, sem que eu percebesse, uma forma de resistência à política que desumaniza”, resume Manu. Nas eleições municipais de 2016, embora a então deputada estadual do PCdoB não fosse candidata a nenhum cargo, mãe e filha foram juntas a diversas atividades de campanha pelo interior gaúcho – “Quaraí, Begé, Cruz Alta, Rio Grande, Pelotas, Erechim”. Foi o prenúncio da pré-campanha e da campanha presidencial de 2018, quando Laura foi companhia da mãe em nada menos que 19 estados – a começar pelo Pará.

 

Revolução Laura é um livro que emana afeto e comove em meio a tantas reflexões – o que poderia soar como um estímulo a que toda e qualquer mulher seja mãe. Para evitar generalizações e ruídos, Manu é direta: “Eu ouvi dizer que levar a Laura comigo para atividades públicas significa reivindicar a maternidade. Reivindicar a maternidade no mau sentido, naquele que diz que só existimos sendo mães ou, melhor dizendo, que estaria fazendo apologia à maternidade. Eu nunca o fiz. Sempre deixei claro o conjunto de privilégios que marcam minha decisão de engravidar e de me tornar mãe e minha militância para que deixem de ser privilégios”.

 

Mais do que uma obra autobiográfica, Revolução Laura é um livro-testemunho, talvez um livro-blog, permeado de divagações e citações. A sem-cerimônia é uma marca dos comentários de Manu. Embora goste da vida de mãe, a autora faz igualmente questão de intitular certos capítulos de seu livro sem floreamento nenhum: “Mar de rosas não existe”, “Contos de fada machucam”, “Como eu também sou machista” e por aí vai. Não se trata – ainda bem – de literatura de autoajuda.

 

O mais importante do relato é que, diante do preconceito e da dor, ambos onipresentes, Manuela pode até chorar, mas jamais desmorona. A maternidade fortaleceu a mulher, a ativista e a política. Deu-lhe mais dimensão, coragem e envergadura. Tanto que, no prefácio do livro, a amiga Marcia Tiburi faz uma confissão a Manu: “Eu te conheço melhor a partir do momento em que há Laura em tua vida”.

 

Vale a pena encarar o livro por tais méritos e também pelas singularidades desta mãe e desta filha em particular. De resto, a linguagem informal, o projeto gráfico leve e baseado em duas cores (o laranja e o azul), a imensa quantidade de fotos, tudo isso torna a leitura mais acessível aos jovens – o público mais afim à trajetória de Manuela D’Ávila. Não deixe de ler Revolução Laura.

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