Ouça “História Hoje” 27/05: Há 14 anos morria o líder do Partido Comunista do Brasil

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Foto: João Amazonas, Dr Zequinha e o jornalista Cláudio Ribeiro

João Amazonas tinha 23 anos quando entrou para o movimento comunista no Brasil. Em 1935, após assistir a um comício da Aliança Nacional Libertadora (ANL) na Praça do Largo da Pólvora,em Belém do Pará,  juntou-se ao grupo.

 

ANL era uma frente de luta contra o imperialismo, o fascismo e o integralismo e contou com participação de amplas esferas ideológicas e culturais da sociedade brasileira. Caiu na ilegalidade em 11 de julho de 1935.

Apresentação Márcia Dias

 

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BIOGRAFIA

João Amazonas, uma vida dedicada à luta pelo socialismo

 

Durante o 10º Congresso do Partido Comunista do Brasil, realizado em dezembro de 2001, João Amazonas pediu para não ser reeleito para o cargo de presidente do Partido. Foi atendido, mas o plenário do Congresso também encontrou uma forma para, compreendendo as limitações físicas decorrentes da idade avançada e da saúde frágil, indicar que João Amazonas continuava sendo o principal dirigente comunista brasileiro, cuja autoridade moral era reconhecida e acatada nos meios políticos avançados, progressistas e revolucionários de nosso país. Aquele acontecimento teve também outro significado: o da tarefa cumprida. A eleição unânime de Renato Rabelo como presidente do PCdoB e de João Amazonas como seu presidente de honra sinalizaram a maturidade política e ideológica alcançada sob sua direção. Este feito histórico foi resultado, também, do trabalho e da liderança de João Amazonas.

 

De uma atividade cujo ponto final ocorreu no dia 27 de maio, às 14h55, quando faleceu o presidente de honra do Partido Comunista do Brasil, PCdoB, João Amazonas de Souza Pedroso. Ele tinha 90 anos de idade, e estava internado desde o dia 21, no Hospital Nove de Julho, em São Paulo, com um quadro de insuficiência respiratória. Seu último pedido manifestou a vontade de que seu corpo, velado no Hall Monumental da Assembléia Legislativa de São Paulo, fosse cremado e as cinzas lançadas na região do Araguaia, onde foi um dos organizadores da guerrilha que enfrentou o governo militar nos anos 1970.

 

Maior dirigente comunista brasileiro

 

Para Renato Rabelo, ex-presidente do PCdoB, João Amazonas é insubstituível: “É o nosso grande ideólogo”, afirmou na plenária final do 10º Congresso do PCdoB, em dezembro último. Amazonas “jogou um papel chave durante o apogeu e o declínio nas experiências socialistas do século 20 e no processo de redemocratização do nosso país”. Sintetizando a sua avaliação, afirmou: João Amazonas “é o maior dirigente comunista brasileiro, por sua trajetória e pelo papel que desempenhou em nossa história.”

 

Amazonas ingressou no Partido Comunista do Brasil em 1935 e integrou sua direção nacional a partir de 1943. Foi eleito deputado constituinte em 1945, exerceu o mandato até 1948, quando foi cassado após a cassação do registro do Partido, em 1947. Em 1962, em conjunto com outras lideranças, reorganizou o Partido Comunista do Brasil em resposta às ações de uma corrente reformista que pretendia liquidar o Partido enquanto uma organização revolucionária.

 

João Amazonas de Souza Pedroso nasceu no dia 1º de janeiro de 1912, em Belém do Pará. Filho de família modesta, desde muito cedo se rebelou contra as péssimas condições de vida e de trabalho da classe operária de sua cidade.

 

O ingresso no Partido

 

Em 1935, aos 23 anos, assistiu a um comício da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no Largo da Pólvora, em Belém, e aderiu ao movimento. Foi imediatamente convidado a participar da Juventude Comunista e, poucos dias depois, ingressava no Partido Comunista do Brasil.

 

Sua primeira tarefa militante foi organizar uma célula na fábrica onde trabalhava. A partir desse núcleo, partiu para a organização de um sindicato da categoria. Em seguida foi eleito delegado na União dos Proletários de Belém. Este envolvimento lhe acarretou a sua primeira prisão, que durou 15 dias. No início de 1936 a polícia realizou várias prisões de integrantes da ANL, colocada na ilegalidade após o levante de 1935. João Amazonas e seu camarada Pedro Pomar foram encarcerados. Na cadeia, realizaram uma greve de fome contra os maus tratos e ministraram aulas de marxismo-leninismo aos demais companheiros. Em junho de 1937, foram julgados e absolvidos por falta de provas. Em novembro ocorreu o golpe de Estado que implantou a ditadura do Estado Novo. Amazonas e Pomar entraram na clandestinidade.

 

CC, MUT e Constituinte

 

Em setembro de 1940 Amazonas foi preso outra vez, com vários outros dirigentes do Partido Comunista do Brasil no Pará. Fugiram da prisão em agosto de 1941. Amazonas e Pomar fizeram uma difícil viagem até o Rio de Janeiro, onde chegaram em setembro desse mesmo ano. No então Distrito Federal, entraram em contato com dirigentes do Partido. Nos fins de 1941 Amazonas foi a Minas Gerais, onde ficou por dois anos. Depois seguiu para o sul do país. Esteve no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Sua grande missão era reorganizar os comunistas nesses Estados, criando as condições para a realização da conferência que iria reorganizar o Partido Comunista do Brasil, convocada pela Comissão Nacional de Organização Provisória e conhecida como “Conferência da Mantiqueira”, realizada em agosto de 1943 na mais completa clandestinidade. Nela, João Amazonas foi eleito membro do Comitê Central e passou a compor a comissão executiva e o secretariado, ficando responsável pelo trabalho sindical e de massas. Foi um dos organizadores e um dos principais dirigentes do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), em 1945. Em dezembro do mesmo ano foi eleito deputado federal constituinte com uma das maiores votações do Distrito Federal.

 

Na Assembléia Nacional Constituinte atuou em torno de questões como direito de greve, liberdade e unicidade sindical, Justiça do Trabalho e em defesa das lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho. Após a cassação dos mandatos, em 1948, João Amazonas e os demais membros da comissão executiva do Partido entram na clandestinidade.

 

Luta anti-revisionista

 

A partir da segunda metade de 1950, Amazonas participou ativamente da luta contra o surto reformista que atingiu o Partido após o 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956. Em 1957, por suas posições contrárias às teses reformistas que vinham ganhando corpo na direção do Partido, João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda, Sérgio Holmos e Pedro Pomar foram destituídos da comissão executiva e do secretariado do Comitê Central.

 

Começavam, assim, a se definir nitidamente duas tendências no interior do Partido: uma reformista e outra revolucionária. Elas iriam se enfrentar duramente nos debates preparatórios do 5º Congresso do PCB, que decidiu pelo afastamento de João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda e Orlando Pioto do Comitê Central do Partido. A divergência chegou ao ponto de ruptura em setembro de 1961 quando, passando por cima das decisões do 5º Congresso e da legalidade partidária, a direção reformista decidiu mudar o programa e os Estatutos do Partido, e adotou novo nome criando, na prática, uma nova organização, o Partido Comunista Brasileiro.

 

Liderando a reorganização

 

A liderança revolucionária não aceitou essas decisões. Protestou contra elas mas, sem encontrar eco na direção reformista, convocou a Conferência Extraordinária de 18 de fevereiro de 1962, que decidiu pela reorganização do Partido, mantendo seu nome tradicional (Partido Comunista do Brasil) e adotando a sigla PCdoB. João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Elza Monnerat, e outros, lideraram esse acontecimento de alcance histórico e internacional: o PC do Brasil foi o primeiro partido fora do poder a romper com a linha política reformista imposta pela direção do PCUS.

 

Em 1964, as teses reformistas do PC Brasileiro foram derrotadas com golpe militar. O PC Brasileiro entrou em processo de desagregação interna, e confirmou muitas das teses defendidas por João Amazonas e seus camaradas do PCdoB. Amazonas então se projetou como um dos principais dirigentes de uma nova corrente do movimento comunista internacional, que se opunha ao revisionismo soviético.

 

Esteve em Cuba, após a reorganização do Partido em 1962. Esteve depois na Albânia, primeira de várias outras visitas onde estabeleceu laços fraternais com os dirigentes comunistas albaneses, especialmente Enver Hoxha, e na China, onde foi recebido pessoalmente por Mao Tsetung.

 

A Guerrilha do Araguaia

 

Entre 1968 e 1972, Amazonas participou ativamente da organização da Guerrilha do Araguaia, o principal movimento de contestação armada ao regime militar. No final de fevereiro de 1972 ele saiu da região para participar da reunião do Comitê Central onde se debateria o documento “Cinqüenta anos de luta”, escrito por ele e Grabois nas selvas do Araguaia, e se comemoraria este importante acontecimento (o 50º aniversário do Partido). Amazonas voltava para a região quando foi surpreendido pela ofensiva do Exército que tornou impossível seu retorno para a área e fechou os caminhos de sua reintegração à guerrilha.

 

A eclosão da Guerrilha levou a um aumento, sem precedente, das perseguições aos dirigentes do PCdoB. Na manhã do dia 16 de dezembro de 1976 desenrolou-se o último ato da tragédia arquitetada pelos militares de eliminar a direção comunista. A casa, no bairro da Lapa, em São Paulo, onde havia se realizado uma reunião do Comitê Central, foi cercada e metralhada pela repressão. Neste dia foram friamente assassinados três dirigentes comunistas. Cerca de uma dezena de dirigentes comunistas também foram presos e torturados.

 

Um dos objetivos daquela operação do Exército era a eliminação física de Amazonas que, no entanto, estava no exterior, representando o Partido. Aquele objetivo foi reconhecido, mais tarde, pelo então comandante do II Exército, sediado em São Paulo, general Dilermando Monteiro, em entrevista à revista IstoÉ: “Nós descobrimos que naquele dia iria haver uma reunião em tal lugar, com a presença de tais e tais elementos, e aí fomos um pouco embromados, porque constava para nós que o João Amazonas estaria presente e o mesmo estava na Albânia, mas para nós ele estaria presente naquela reunião.” Exilado, Amazonas só voltou ao país com a anistia, em 1979.

 

Erguendo a bandeira da democracia

 

Amazonas foi sempre um opositor radical da ditadura militar e por isso mesmo foi odiado por ela. Nas selvas do Araguaia, procurando organizar a resistência armada, nos palanques da campanha das diretas ou nas articulações que levaram à escolha de um candidato único das oposições, para derrotar o candidato da ditadura no Colégio Eleitoral, lá estava o velho combatente comunista. Quando a emenda das Diretas-já foi derrotada no Congresso dominado por parlamentares ligados à ditadura, Amazonas foi a Minas Gerais conversar com o governador Tancredo Neves, para convencê-lo a enfrentar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.

 

Amazonas foi um ardoroso defensor da unidade das forças progressistas e um dos artífices da Frente Brasil Popular em 1989. Compreendeu que, com a derrota de Lula e a vitória de Collor, a luta contra o neoliberalismo adquiriu centralidade na tática e na estratégia das forças democráticas, populares e revolucionárias. O PCdoB, com Amazonas à frente, defendeu a palavra-de-ordem Fora Collor!, que empolgou a juventude brasileira e levou ao impedimento do presidente da República.

 

Mas a derrota de Collor não representou a derrota definitiva do neoliberalismo em nosso país. Com a vitória de FHC, o projeto recobrou o seu fôlego. Amazonas defendeu então a formação de uma ampla frente oposicionista, que tivesse como núcleo as forças de esquerda. Uma frente que se constituísse através de um programa nacional e democrático que apontasse para a superação do neoliberalismo e se sustentasse num amplo movimento de massas.

 

Ação internacional

 

No entanto, as suas contribuições políticas e teóricas não se reduzem apenas ao Brasil. Desde o final da década de 80 João Amazonas foi um dos poucos que se colocou contra a política adotada por Gorbachev, denunciando-a como uma via de consolidação do retorno da URSS ao capitalismo. Após o fim da experiência soviética, Amazonas conclamou a esquerda revolucionária a um profundo balanço crítico dessas experiências, a refletir sobre as derrotas, mas sem capitular. Sem fazer concessões de princípios à maré social-democratizante que estava levando ao aniquilamento vários partidos que se proclamavam comunistas.

 

Amazonas, de maneira ousada, propôs a unidade das diversas organizações que ainda mantinham e reafirmavam sua identidade comunista. Diante da ofensiva mundial do imperialismo era preciso vencer o sectarismo e construir a unidade sobre novas bases. Esta seria mais uma de suas importantes contribuições para reorganização do movimento comunista internacional.

 

Promessa cumprida

 

João Amazonas conduziu o Partido Comunista do Brasil em meio ao mar turbulento das lutas ideológicas, contra adversários bem mais fortes, que pareciam invencíveis. O seu pequeno PCdoB venceu essas lutas, expandiu-se e consolidou-se. O Partido, dirigido por ele, enfrentou a ditadura militar, enfrentou a crise das experiências socialistas, e enfrentou com coragem e firmeza os dez anos de ofensiva neoliberal no Brasil. O PCdoB se desenvolveu e se constituiu numa força respeitada no cenário político nacional e dentro do movimento comunista internacional.

 

O legado de Amazonas é a luta pela democracia, pela soberania nacional e a defesa do proletariado e do socialismo. Ele foi o ideólogo e o construtor do Partido Comunista do Brasil. Sempre defendeu a unidade do povo e das correntes democráticas e populares. Como afirmou no discurso com que se despediu do cargo de presidente do Partido, pronunciado na tribuna do 10º Congresso do PCdoB, nunca se aposentou. “Não peço aposentadoria. Continuarei lutando no nosso glorioso e heróico PCdoB”. Ele cumpriu essa promessa.

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História Hoje: Programete sobre fatos históricos relacionados às datas do calendário. Vai ao ar pela Rádio Brasil Cultura de segunda a sexta-feira.

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