Publicado pela primeira vez em 1909, 20 anos após a abolição da escravatura, Recordações do Escrivão Isaías Caminha, primeiro livro de Lima Barreto (1881-1922), foi um marco na disputa de espaço por negros na sociedade brasileira. A obra-prima do escritor carioca retratou, de modo até então inédito, o racismo presente nas instituições e nas instâncias de poder.
O escritor Lima Barreto (1881-1922), autor de <i>Recordações do Escrivão Isaías Caminha</i>O escritor Lima Barreto (1881-1922), autor de Recordações do Escrivão Isaías Caminha
O enredo acompanha a história de Isaías Caminha, um jovem negro e pobre do interior, que tinha a ambição de se tornar “doutor”, para melhorar de vida. Munido de uma carta de recomendação, ele se muda para o Rio de Janeiro e corre atrás de seu sonho. É quando encontra diversas dificuldades decorrentes de sua cor e condição social, mostrando a incapacidade do País de incorporar pessoas negras à sociedade, mesmo depois da abolição.
Isaías não consegue iniciar os estudos para ser doutor, não consegue emprego e passa a viver nas ruas. Já não tem mais nenhuma esperança, quando um homem que conheceu na chegada ao Rio o leva para trabalhar na redação de um grande jornal. A partir daí, a história traça um retrato demolidor da imprensa, denunciando jogos de interesse, parcialidade e sensacionalismo, além da falta de preparo dos jornalistas.
Para Tiago Coutinho, professor do curso de Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA), o livro ajuda a compreender o Brasil contemporâneo. “Temos um amplo debate no Brasil em torno das cotas raciais, e esse debate ainda está em disputa”, afirma Tiago, que é responsável pela reedição do livro pela Editora Expressão Popular. “Ler Recordações de Isaías Caminha ajuda a compreender o período político que estamos vivendo e o racismo estrutural na sociedade.”
A reedição do livro tem prefácio de Irenísia Torres de Oliveira, pesquisadora da obra de Lima Barreto. Ela destaca a importância de bolsas de estudo e políticas de permanência estudantil para que negros e negras com sonhos como o de Isaías não sejam obrigados a deixar de estudar. “Numa universidade a serviço do mercado, como quer o lamentável ministro Weintraub, de novo não haveria lugar para jovens como Isaías”, afirma, referindo-se ao ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Na opinião de Irenísia, é preciso lutar para que os currículos nas universidades não sejam pensados para estudantes em boas condições de vida – um dos motivos que teriam levado Lima Barreto a abandonar o curso na Escola Politécnica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881 e morreu aos 41 anos em 1º de novembro de 1922. Foi jornalista e escritor, publicando em jornais e revistas. Entre romances, contos e sátiras, escreveu 19 obras. Teve problemas com alcoolismo, o que deixou sua saúde bastante debilitada, e passou por diversas internações. É considerado um dos maiores escritores brasileiros.
Com informações do Brasil de Fato
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