Os desenhos, capas de disco, jornais e revistas, os cenários para teatro, os troféus de Elifas Andreato são um comentário artístico e comovente da história brasileira das últimas décadas. Entre crianças, estrelas e esperanças há também o registro de atrocidades como o Livro Negro da Ditadura Militar. O artista, que completou 70 anos de idade e 50 de carreira neste ano, revolucionou a forma de fazer capas de discos no Brasil.
Por José Carlos Ruy
Elifas Andreato completou 70 anos de idade e 50 de carreira
Dificilmente se encontrará um brasileiro que compre disco, livro, vá ao teatro ou leia revistas e jornais (alternativos, principalmente) que nunca teve a atenção despertada, comovida, com algum desenho de Elifas Andreato, que foram reunidos no livro Elifas Andreato, publicado pela J.J.Carol Editora, enriquecido com fotos de esculturas e de cenários – imagens que sobraram dos inúmeros que Elifas preparou ao longo da vida mas, confessa, nunca se preocupou em registrar, ou fotografar.
É um conjunto de imagens com ressonâncias emocionais muito fortes. A história de Elifas é conhecida. O talento do capiauzinho que saiu de Rolância (Paraná) há quase 50 anos, num trem de terceira, “com tudo para dar errado”, como ele recorda, logo o transformou no principal artista gráfico brasileiro, embora ele mesmo se considere um jornalista. Um jornalista que sabe usar as palavras – basta ler seus textos no Almanaque Brasil de Cultura Popular, que criou e dirige – mas sabe, como só os grandes criadores conseguem, contar estórias com imagens e volumes que captam e dão forma artística ao que está nos olhos do povo, com diz.
Capa do disco Martinho da Vida de 1990
Lá estão, na abertura do livro, a imagem menino conduzindo um arco, uma brincadeira popular antiga, barata e engenhosa. “Aquele menino sou eu”, diz Elifas – que deu, ao desenho, o título de “Autorretrato”. E também, encerrando o volume, a imagem fantástica de outro menino levando a bandeira do Brasil e semeando estrelas – “Sonho de Natal”.
Elifas se descreve como um militante do futuro e das boas causas. Nunca deixou de ser. Menino operário, encantou os colegas pela capacidade em transformar pedaços de pau e algumas folhas de papel em cenário para festas operárias na Vila Leopoldina, em São Paulo. De lá para a Editora Abril Cultural, para as páginas dos jornais de resistência à ditadura militar (e também a perseguição da repressão política), para as capas que revolucionaram os discos, foi um pulo. Com a força aprendida com a mãe Dona Alzirae embalada no sonho e no compromisso de mudar o mundo.
Artista e militante, Elifas era muito jovem quando, em 1972, desenhou a impressionante e precisa capa do “Livro Negro da Ditadura Militar”, publicado clandestinamente pela AP em 1972, produzido por uma equipe de militantes que, além de Elifas, tinha Bernardo Joffily, Carlos Azevedo, Divo Guisoni, Duarte Pereira, Jô Moraes e Márcio Bueno e Raquel Guisoni. O livro trazia a denúncia das torturas, assassinatos e atrocidades cometida pela repressão da ditadura. Foi escrito e impresso e distribuído na mais profunda clandestinidade, sendo importante peça da resistência democrática.
Emoção que despudoradamente aparece aqui e ali, forte e precisa, econômica e autêntica, tornando os desenhos quentes e humanos. Emoção presente, com a marca da revolta, nas referências à tortura e às barbaridades cometidas pela repressão política da ditadura, representada com dor e inconformismo no cartaz do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, e sua imagem lancinante de um prisioneiro na tortura.
A arte de Elifas é a ilustração das últimas décadas de nossa história, escreveu na apresentação do livro outro combatente das causas do futuro, o escritor Fernando Morais. Ele tem razão.
Assista ao vídeo onde Elifas fala sobre o Livro Negro da Ditadura:
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