O MAL E O BELO
SÉRGIO MIRANDA
Uma crise de apendicite foi responsável pelo surgimento de um dos mestres da pintura. A depressão de um jovem artista ajudou-o a criar um novo movimento artístico. Problemas neurológicos permitiram a outro superar os limites da própria consciência e criar cores impensáveis. A história está cheia de exemplos da relação entre a arte e as doenças que acometeram os artistas. E de como elas ficaram refletidas e muito mais bonitas em suas criações.
Embora seja possível que sempre tenha sido assim, só no século 19 filósofos e artistas insatisfeitos com os limites da “arte como imitação” (ou representação) lançaram a teoria da “arte como expressão”. Desse modo, o foco para a compreensão da arte deslocou-se do objeto para o artista, da criação para o criador. É a partir daí que, pelo menos para a crítica de arte, passou a ser importante o que o artista sentia. E, às vezes, como todo mundo, ele sentia dor.
“As doenças influenciam a forma como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com o mundo, e muitas delas podem estimular o potencial de cada um”, diz a professora Leila Cury Tardivo, do departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. “Diante do sofrimento, o artista ganha uma força de sublimação e sua arte pode ajudá-lo a discutir, compreender e conviver com a própria doença.”
Alguns superaram o mal sem que isso aparecesse em sua obra, como Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), conhecido como Aleijadinho, que sofreu de uma doença degenerativa (não se sabe ao certo se sífilis, escorbuto, hanseníase ou reumatismo), sem que isso refletisse em suas esculturas. Outros acusaram o golpe de forma sutil, como o espanhol Francisco Goya (1746-1828), cuja pintura variou de graciosa para trágica depois que o artista perdeu a audição aos 46 anos de idade. O norueguês Edvard Munch (1863-1944) começou a pintar aos 17 anos, depois que sua mãe e uma irmã morreram de tuberculose, e colecionou tragédias (seu pai e um irmão morreram e outra irmã foi internada em um hospital psiquiátrico) antes que completasse 30 anos e pintasse seu quadro mais famoso: O Grito, uma mistura de dor, desespero e tinta a óleo.