O Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal (MPTDF) ingressou com uma ação na Justiça Trabalhista em que requer o afastamento cautelar do Presidente da Fundação Cultural Palmares Sérgio Camargo, ao argumento de que ele teria promovido perseguição político-ideológica, discriminação e assédio moral contra 16 (dezesseis) servidores da autarquia. O MPT requereu também a condenação da Fundação ao Pagamento de R$ 200,00 (duzentos mil reais), a título de danos coletivo.
As acusações decorrem de um trabalho investigativo de cerca de 01(um) ano empreendido pelo MPT, mas ainda serão objeto de instrução na Justiça Trabalhista. Acaso sejam comprovadas, as acusações podem ter reflexos na órbita administrativa do Presidente da Autarquia, considerando sua condição de servidor público sujeito a normas que regem as condutas dos agentes públicos nesta qualidade.
Ademais de possíveis decorrências de índole ética, administrativo-disciplinar e trabalhista, há uma possibilidade que tem sido aceita pela Justiça em casos semelhantes: o enquadramento do autor do assédio moral como sujeito ativo de um ato de improbidade administrativa que lesiona princípios da Administração Pública.
Com efeito, a Constituição Federal determina que toda a atuação administrativa se sujeite aos princípios tais como: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Salta aos olhos que a prática do assédio moral no ambiente de trabalho não atende aos preceitos maiores da Carta Constitucional atinentes à conduta do agente público. Nesse sentido, assediar moralmente os subordinados atenta frontalmente com a ética e a boa-fé que se espera nas relações funcionais tanto no ambiente privado quanto público.
Ora, se o texto constitucional consagra valores como dignidade humana, fraternidade, atuação administrativa impessoalizada e livre de discriminação, é de todo incoerente supor-se que os agentes públicos que atuam em seu nome possam fazê-lo de forma desalinhada dos valores expressos na Carta. E o assédio moral constitui uma prática extremamente maléfica para os objetivos institucionais da administração. Tanto do ponto de vista humanista quanto do ponto de vista pragmático, da eficiência da atuação administrativa.
Entende-se, nessa linha, que a prática do assédio moral nas relações funcionais administrativa vai de encontro à concretização dos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da eficiência da atuação administrativa, devendo as corporações adotar medidas tanto preventivas quanto repressivas para coibir a sua ocorrência. E, dessa forma, pode constituir também a conduta de improbidade administrativa prevista no art.11 da Lei 8429/92.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no julgamento de diversos casos submetidos à sua jurisdição que tratam de assédio moral cometidos por servidores públicos em face de colegas de trabalho ou público externo. E tem considerado que tais hipóteses são passíveis de serem enquadradas como condutas de improbidade administrativa. A título de exemplo, cite-se um caso envolvendo um Prefeito de uma cidade do Rio Grande do Sul, em que se reconheceu que a perseguição do agente a uma servidora que denunciou problema com dívida do município configurava improbidade administrativa, tendo sido o agente condenado à perda dos direitos políticos, bem como multa equivalente a cinco anos de sua remuneração mensal.
Nesse caso exemplificado, a decisão condenatória do STJ teve como fundamento o artigo 11 da LIA, segundo o qual “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Ressalte-se que é necessária a presença do dolo nesta espécie de improbidade.
O grande desafio da vítima de assédio moral, tanto no âmbito privado quanto nas corporações públicas, é justamente provar que o assédio aconteceu. Embora o assédio moral seja considerado uma violência que deixa marcas profundas na auto estima das vítimas, não deixa sinais físicos, motivo pelo qual a prova no caso do dano psicológico é muito mais complexa e sutil. Além do que, na maioria dos casos, o assédio moral é praticado de forma dissimulada, mas de forma a desestabilizar e minar a autoimagem da vítima.A despeito da dificuldade de produzir provas, a Justiça dá um passo adiante ao reconhecer o assédio moral como ilícito grave, passível de ser apenado com as severas sanções da Lei de Improbidade, que pode abranger até mesmo a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos. É nesse sentido que se faz imprescindível uma rigorosa investigação no caso da Fundação Palmares, que tem dentre seus objetivos institucional a promoção de política cultural igualitária e inclusiva, bem como o combate à discriminação racial, a fim de aferir-se se há na prática o alinhamento dos nobres objetivos institucionais da autarquia com a prática concreta do seu dirigente.
Por Marilene Carneiro Matos
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