Por isso mesmo, entra governo e sai governo e as ações de política pública para o setor têm sido orientadas mais pela intuição do que por informações obtidas de forma confiável. A falta de dados atinge também o planejamento de artistas e produtores e até mesmo do público interessado. O quadro começa a mudar. Acaba de ser concluída pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Cultura, uma ampla pesquisa que estampa a radiografia da economia da cultura no país. Os dados são reveladores.
O estudo, batizado de Sistema de Informações e Indicadores Culturais, consolida dados cadastrais, estatísticos e documentais, já disponíveis, para assim elaborar resultados que destacam as diferentes faces da cultura brasileira, pelo lado da produção, do consumo, do emprego, dos gastos das famílias e do governo, bem como informações sobre a população ocupada. Ao cruzar as fontes, chegou-se a um painel inédito, cujo principal objetivo foi sistematizar informações para a construção de indicadores realistas do setor cultural.
A concepção de cultura adotada no estudo é ampla, relacionada às atividades econômicas geradoras de bens e serviços, e adota como referência a definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre o setor. O órgão da ONU entende a cultura como a soma das atividades relativas “à criação, produção e comercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais em sua natureza. Esses conteúdos estão protegidos pelo direito autoral e podem tomar a forma de bens e serviços. São indústrias em trabalho e conhecimento, e que estimulam a criatividade e incentivam a inovação dos processos de produção e comercialização”.
O Sistema de Informações e Indicadores Culturais fornece a análise dos resultados dos principais indicadores econômicos da área e apresenta também um conjunto de tabelas e gráficos com informações sobre o número de empresas, pessoal, salários e outras remunerações, salário médio, custo do trabalho, receita líquida e valor adicionado. Contabiliza também os gastos das famílias e da administração pública com cultura e sintetiza as características da população ocupada em atividades relacionadas ao setor.
A pesquisa classifica ainda as ações culturais em setores. Um dos grupos de atividades reúne o patrimônio, artes performáticas, artes visuais, edição e impressão, audiovisual e mídia interativa, design e serviços criativos. Outro segmento congrega ações nas áreas de educação, patrimônio imaterial, preservação e arquivo, equipamento e material de suporte. E, por fim, estão atividades que se relacionam à cultura por meio do turismo e do esporte.
Primeira etapa
A motivação para realização do estudo surgiu em 2003, ainda na gestão do então ministro Gilberto Gil. Incomodava a ele a falta de parâmetros para calcular a participação das atividades culturais no Produto Interno Bruto (PIB) do país. Na América do Sul, Chile, Colômbia e Uruguai já conhecem seus índices, que são utilizados como subsídios para definição da política cultural.
O Brasil ainda vai ter que esperar um pouco para saber ao certo esse dado, tendo em vista que o estudo atual é apenas uma das etapas para se chegar à informação desejada pelo ex-ministro. “O que estamos fazendo agora é medir a dimensão socioeconômica da cultura. É um estudo novo e um passo inicial para desenvolvermos outras pesquisas. Partimos de um patamar em que não tínhamos nada”, afirma Cristina Lins, coordenadora técnica do Sistema de Informações e Indicadores Culturais.
Principais dados da pesquisa
» Os trabalhadores da área recebem, em média, 4,2 salários mínimos, acima da média geral do trabalhador brasileiro, que é de 3,2. Dados de 2010.
» O setor de serviços foi responsável pelo pagamento de mais de 71,6% dos salários das atividades culturais.
» O número de empresas e organizações atuando no setor passou de 370 mil (2007) para 400 mil (2010). O crescimento foi de 8,1%, aquém do desempenho nacional. As demais empresas brasileiras cresceram 16%.
» As empresas que mais impactam na atividade cultural são as da área da informação e comunicação. Nesse grupo estão as editoras, atividades cinematográficas, de rádio e televisão, e serviços de tecnologia.
» Os gastos governamentais com a cultura nas três esferas – federal, estadual e municipal –, saltaram de R$ 4,4 bilhões (2007) para R$ 7,3 bilhões (2010). Eles totalizam 0,3 % das despesas consolidadas na administração pública.
» O governo federal ampliou o volume de gastos na área de R$ 824,4 milhões (2007) para R$ 1,5 bi (2010). Os dados se referem apenas às despesas orçamentárias e não incluem a Lei Rouanet.
» As famílias gastaram em média, por mês, em produtos e serviços relacionados à cultura, no período de 2008 a 2009, em torno de 5% do total de despesas.
» Houve redução da população ocupada na cultura. Em 2007, eram 4,2 milhões e o número caiu, em 2012, para 3,7 milhões de trabalhadores vinculados a ocupações e atividades. A queda coincide com a crise de 2009, provocada pela turbulência internacional dos mercados.
» A redução de pessoas ocupadas caiu em quase todo o país. A maior diminuição foi no Ceará: de 6,4 % para 4%. Em Minas, saiu de 4,4% para 3,4%. Em São Paulo, era 6,2% e chegou em 5,1%.
» Existe um predomínio de trabalhadores do sexo masculino na área. De 2007 para 2012, houve aumento da participação de 51,5% para 53%. Já em relação às mulheres, a queda foi de 48,5% para 47% no mesmo período.
» O número de trabalhadores com carteira assinada ampliou. Saiu de 34,4% para 39,8% de 2007 para 2012. Com isso, houve aumento da contribuição da arrecadação da Previdência Social de 46,3% para 55,8%, refletindo a profissionalização do setor. A informalidade, no entanto, ainda é alta.
» O estudo cruzou dados do Cadastro Central de Empresas (Cempre), da Pesquisa Industrial Anual-Empresa (PIA Empresa), da Pesquisa Anual de Comércio (PAC), da Pesquisa Anual de Serviços (PAS) e dos gastos públicos com a cultura. Ainda serviram de base a Pesquisa de Orçamentos Familiares (de 2008 a 2009) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (de 2007 a 2012).
Opinião dos gestores
Saber para mudar
“Sem conhecer a realidade é impossível realizar intervenções sobre ela. Está fadado ao erro. As questões analíticas ou assembleias públicas são fundamentais para se conhecer a realidade para, enfim, propor as políticas públicas. Preocupa-me o dado que mostra a profissionalização do setor. Em nossos editais públicos em BH, cerca de 80% dos inscritos são pessoas físicas, o que mostra uma dificuldade da classe artística de formalização das suas ações. A situação acarreta problemas, pois diminuiriam-se os ganhos em razão dos altos impostos para as pessoas físicas. Conhecer a realidade é importante para que possamos propor ações primordiais.”
. Leônidas Oliveira é presidente da Fundação Municipal de Cultura de BH
Economia criativa
“A sistematização de informações sobre a importante e crescente economia advinda do setor cultural no país é imprescindível para a consolidação de políticas públicas culturais mais efetivas e assertivas. O Governo de Minas dedica especial atenção às questões da economia criativa, em suas diversas pastas. Na Secretaria de Cultura, vivenciamos, diariamente, a criação de valor por meio da riqueza e diversidade cultural mineira. A pesquisa vem se somar aos nossos esforços para crescimento das macrorregiões de nosso estado.”
. Eliane Parreiras é secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais
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