Estatísticas lembram economia, que, por sua vez, se vincula a lucro – visto como ameaça à autonomia da criação. Estatísticas também lembram burocracia e controle estatal – noções que costumam despertar apreensão, dado o histórico de totalitarismo e censura em regimes do século XX.
Resumidamente, é como José Carlos Durand explica a grande resistência que os números encontram no campo das artes, em trecho do capítulo “Indicadores culturais: para usar sem medo”, de seu recente Política cultural e economia da cultura. Sociólogo com extensa trajetória de estudos sobre o tema, ele tem defendido a importância de pensar economicamente as artes e a cultura a fim de que sejam adotadas políticas públicas mais justas e eficientes. Em última instância, quem mais se beneficiará dos números são o artista e seu público. Só que antes há de se dirimir um tanto de preconceitos.
O livro soma-se a uma ainda esparsa bibliografia sobre esse campo no país, que no entanto tem crescido nos últimos cinco anos. Foi Durand quem incentivou a tradução e prefaciou, em 2007, um dos clássicos da área, A economia da cultura, de Françoise Benhamou, economista francesa que trata da experiência europeia. O que o título de Durand traz de contribuição são dados, análises e propostas para o caso brasileiro. Como nota, só agora a gestão pública de cultura começa a ter atenção, em decorrência da década e meia de estabilidade do país. Além das novas publicações, movimenta cada vez mais encontros, seminários e redes virtuais.
Para que servem os indicadores culturais? Ora, como argumenta Durand, para quantificar o setor, sua participação na economia, a contribuição estadual e municipal e o quanto indivíduos gastam com cultura. Esses dados passaram a ser levantados de modo mais sistemático na última década numa iniciativa do Ministério da Cultura (MinC) em conjunto com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Levantar estatísticas é apenas a ponta de uma nova lógica que inclui também a formação do profissional que vai trabalhar com gestão cultural – para acabar com um quadro de amadorismo que parece romântico mas tem efeito pernicioso – e o estabelecimento de formas inteligentes de financiamento e patrocínio, por meio de bancos públicos e agências de fomento e envolvendo tanto agentes do mercado quanto da academia.
Os 11 artigos do livro vão então perfazer um percurso que é ao mesmo tempo conceitual, histórico e comparativo. Com abordagem didática e caráter introdutório, atendem sobretudo a quem deseja se iniciar no assunto. A ideia de economia da cultura, como adverte, não deve ser confundida com a de marketing cultural, e hoje, ao incorporar novas tecnologias, abre-se para uma noção que é ainda mais ampla, a de economia criativa. Durand mostra como se transformou o setor no país de 1995 a 2010, analisando ações governamentais e privadas no âmbito da Lei Sarney e, depois, Lei Rouanet. Primeiro, o MinC se restabelece após o que considera como a devastação promovida pelo governo Collor. Será sob orientação liberal que funcionará nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, quando o autor identifica certo exagero na concessão de incentivos fiscais para viabilizar parcerias com a iniciativa privada. No governo Lula, o orçamento é maior, assim como o quadro de funcionários, e se configura um modelo notadamente mais inclusivo e voltado às culturas populares. Entre as tendências internacionais, os casos dos Estados Unidos e da França são particularmente abordados, resultado de intensa pesquisa de pós-doutorado de Durand naqueles países.
No conjunto de temas tratados, em que se entrelaçam economia e política, há até oportuna incursão ao território da crítica da arte. Num dos capítulos, “Premiações como instrumento de política cultural: uma proposta para a América Latina”, o autor discute o enfraquecimento das instâncias de consagração erudita. Numa região que vive, como define, “tempos de descentramento e multipolaridade”, lembra que a autoridade pública deve fazer valer seu poder de chancelar antes que o mercado multiplique e banalize prêmios e competições. Como ressalta, é preciso olhar atentamente para os artistas que não são vistos por editoras ou gravadoras mas têm talentos que merecem ser reconhecidos. Os números devem, afinal, estar a serviço das artes.
Joselia Aguiar é jornalista, mestre e doutoranda em história (USP), concentrando-se em reportagens e estudos no campo da cultura.
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