Vender livros no Brasil nunca foi uma atividade fácil, mas a situação se agravou nos últimos dois anos. A conjuntura ruim derrubou o volume de vendas em cerca de 3% por ano desde 2015 e tem feito as grandes livrarias Saraiva, Livraria Cultura e Fnac atrasarem os pagamentos às editoras. Além da crise econômica, a chegada da Amazon ao Brasil, em 2014, atraiu para o e-commerce o cliente que antes comprava no varejo tradicional.
Como num efeito cascata, os donos de editoras estão sendo obrigados a demitir, reduzir a quantidade de lançamentos e, em alguns casos, lutar contra a possibilidade de fechar as portas.
Para se ter uma ideia do impacto, as grandes livrarias representam até 50% do total do faturamento de pequenas e médias editoras, por isso a situação é considerada grave pelos donos desses negócios. No ano passado, a Livraria Cultura comprou a operação da Fnac no Brasil.
“Chegamos ao caos. Não temos entrada de recurso. A situação é grave”, disse o dono de uma editora de médio porte que preferiu não se identificar.
Apesar dos calotes, pela grande representatividade nos resultados, muitas editoras continuam fornecendo seus produtos a essas livrarias de maior porte e temem tomar medidas como, por exemplo, recorrer à Justiça para receber o valor devido. É também por isso que, com receio de retaliação, o mais comum é encontrar os donos de editora reclamando da situação, mas pedindo anonimato.
Sem previsão de meçhora
Procurado para falar sobre o segmento, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) não respondeu aos pedidos de entrevista do GLOBO. Saraiva, Fnac e Livraria Cultura também não responderam às solicitações.
O calote atinge inclusive editoras de grande porte. O reflexo para elas também vem no ajuste no quadro de funcionários e, de forma mais amena, na redução no volume de lançamentos.
Luiz Fernando Emediato, dono da Geração Editorial, conta que está sem receber há pelo menos três meses da Saraiva, que, segundo ele, informou não ter previsão para quitar o débito. No caso da Cultura, diz Emediato, os atrasos são constantes, mas, neste momento, os pagamentos estão em dia.
“Sem contar várias livrarias de menor porte, que não só atrasaram como acabaram fechando sem poder honrar suas dívidas. E, pior, sem devolver os livros que tinham em consignação”, contou.
Como os recursos recebidos das grandes livrarias representam 45% do faturamento da Geração e não há previsão para a regularização da situação, Emediato demitiu mais da metade de seus empregados, saindo de 66 funcionários para 27, e diminuiu drasticamente os lançamentos.
“Estamos apenas reimprimindo os livros mais vendidos e lançando dois títulos por mês. Antes, lançávamos um a cada cinco dias”, afirmou.
Situação similar é relatada por Mara Cortez, dona da editora Cortez, que está no mercado há 38 anos. Ela conta que nunca viveu situação parecida.
“Se há três anos você me relatasse a situação que vivemos hoje, eu diria que estava contando uma mentira”, afirmou Mara.
Perguntada sobre qual sua avaliação a respeito desta crise, ela cita, além da retração das vendas das livrarias, o efeito do e-commerce.
“Já vi as livrarias venderem on-line um título nosso por um preço menor do que o valor pago para mim. Na minha avaliação, parte da crise vem dessa necessidade de se consolidar no e-commerce”, contou Mara.
Débito em parcelas
Na semana passada, a editora decidiu que não fornecerá mais títulos à Saraiva. Isso porque a livraria, que, segundo ela, não honra os débitos com a Cortez desde maio, notificou a editora que só terá informações relativas ao pagamento no fim de julho.
“Tenho uma fortuna de material em consignação na Saraiva. Se a empresa não tem ideia se vão pagar e como vão pagar, não posso continuar entregando”, afirmou.
Assim como na Geração, a participação das grandes livrarias no faturamento da Cortez é de 45%.
Mara afirma que, em relação à Cultura e à Fnac, a situação também está complicada, mas ainda tem sido possível fazer acordos para o pagamento. Na segunda semana de junho, depois de dois meses sem receber das duas livrarias, Mara acertou receber em quatro vezes, com a primeira parcela vencendo em julho.
“Eles ofereceram pagar em seis vezes, e eu propus quatro”, comentou.
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