Fruto de articulação social e diálogo com o poder público, o programa Música Minas vive hoje um momento distante de sua vocação. É o que apontam músicos e gestores que participaram da construção do projeto ainda em 2007. As queixas giram em torno da falta de diálogo da Secretaria Estadual de Cultura, atual gestora da iniciativa, e das formas de seleção de projetos beneficiários do edital, que, hoje, destina R$ 700 mil para o programa de intercâmbio cultural, a fim de viabilizar viagens nacionais e internacionais.
“A atual gestão não tem dimensão do programa, que foi um dos mais importantes do Estado durante uma década”, afirma o músico Makely Ka. “Hoje, ele não é um programa vivo. A secretaria dá continuidade às ações mais operacionais, mas não percebe as demandas e não renova mais”, comenta Lailah Gouvea, ex-gestora do projeto pelo Fórum da Música.
Histórico. Parceria entre a sociedade civil e o Estado na organização de uma política pública, o histórico do programa remete aos tempos de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura a partir de um chamado nacional realizado pelo ministro. “Ele convidou a sociedade a formar o Fórum Nacional da Música. A partir disso, vários fóruns estaduais começaram a ser organizados. Nós, de Minas, reunimos entidades representativas do fazer musical, músicos, produtores, técnicos, jornalistas, pessoas ligadas ao universo da música. Em 2007, criamos o Fórum da Música”, relembra Makely.
Faziam parte do Fórum a Cooperativa da Música, o núcleo Negros da Unidade Consciente (NUC), a Sociedade Independente da Música (SIM), a Associação dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG) e o Museu Clube da Esquina.
O Música Minas surgiu, então, a partir da articulação do Fórum, incumbido, pela então secretária de Cultura, Eleonora Santa Rosa, de organizar as demandas do setor. “Logo identificamos a necessidade de uma ação internacional, com editais de intercâmbio e passagens”, conta Makely.
De 2008 a 2014, o programa foi gestado pelo Fórum, que o transformou em uma plataforma centrada na divulgação da música mineira, a partir da participação em eventos e feiras do setor, e na produção de materiais de promoção, como catálogos, coletâneas e documentários, além da viabilização das ações de intercâmbio. “Minas foi o Estado que mais exportou música nesse período”, diz o músico.
O programa se tornou referência pelo protagonismo da sociedade civil na criação de uma política pública em parceria com o poder público e foi exemplo para a construção do Edital de Intercâmbio do Ministério da Cultura. Mas a chave começou a girar, segundo Makely, quando Ana de Holanda entrou no MinC e deu início a uma desarticulação da rede que foi organizada no período de Gil.
Por desentendimentos entre as entidades, denuncias de mau uso do dinheiro público por um beneficiário e também por ausência de assembleias regulares, o programa acabou por ser incorporado à SEC, que faz a gestão do projeto desde 2014.
“O programa se mostrou tão importante que tinha que ser incorporado pela Secretaria de Cultura. O erro foi a forma como deram continuidade ao Música Minas lá dentro, com poucos funcionários, que não dão conta do volume de trabalho. Não tratam o programa com o valor que merece, com a estrutura que merece”, afirma Lailah.
Para o músico e gestor Gabriel Murilo, o modelo de gestão realizado pela sociedade civil fazia com que o programa fosse aprimorado a cada ano, tornando-se mais significativo. “Quando o governo de Estado absorve a gestão e tira a participação do Fórum, as mudanças se tornam pouco proveitosas. Ele foi concebido enquanto programa, um conjunto de ações na perspectiva de internacionalização, circulação, posicionamento da marca Minas Gerais no mundo, formação. E tudo isso acabou e foi esquecido, em desrespeito a uma história construída pela sociedade civil”, afirma.
Lailah, no entanto, faz a ressalva. “O programa está no lugar certo. Ele deve ser gestado pela SEC porque é uma política complementar de Estado, mas a principal perda é não ter planejamento junto com a classe. Antes, novas ações eram pensadas a partir das demandas da classe porque as associações eram representativas. Hoje não existe esse diálogo mais. Os nossos artistas seguem circulando no exterior como resultado do que foi realizado pelo Música Minas na promoção da nossa música. O edital de passagens apenas viabiliza o intercâmbio, mas não promove. Hoje, não há mais participação em feiras, criação de catálogos pra fazer a promoção e divulgação desses músicos”, pontua.
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