Música Erudita 2

Música Brasileira

A música erudita no Brasil, que teve sua fase histórica mais importante com a escola nacionalista de composição, permaneceu presa à matriz européia durante séculos. As expressões populares, pelo contrário, nascidas da confluência étnica, fizeram do cancioneiro brasileiro um dos mais ricos da América.

Em sua formação a música brasileira recebeu contribuições dos indígenas, dos colonizadores e dos negros. Musicalmente, o africano tem o mais forte caráter entre os três elementos étnicos que se fundiram para formar o perfil cultural brasileiro. O jazz nos Estados Unidos e o samba no Brasil mostram como se diversificaram, no contato com o elemento branco, as influências musicais negras na América.

Música erudita

Das origens ao romantismo. Os primeiros cronistas do descobrimento relatam que a terra era povoada de música, e os gentios que assistiram à primeira missa mostravam-se naturalmente sensíveis ao canto e à sonoridade dos instrumentos. Na catequese a que foram submetidos os indígenas, entrava, como um dos ingredientes mais persuasivos, o cantochão.

Em todo o decorrer da história colonial do Brasil, desde seus primórdios, há constantes testemunhos de práticas musicais, da obrigatoriedade do ensino de música nas casas da Companhia de Jesus e da popularidade do teatro musical, cuja origem se encontra nos autos representados pelos jesuítas. No século XVIII, por exemplo, o gosto pela ópera-bufa, tão característica da época, propagou-se no Brasil. Fundaram-se casas de ópera no Rio de Janeiro, em São Paulo, Salvador, Recife, Belém, Cuiabá, Porto Alegre, Campos dos Goytacazes e outras cidades.

O repertório habitual desses teatros constituía-se principalmente das óperas do brasileiro Antônio José da Silva, o Judeu, e de obras da escola napolitana (óperas de Nicola Porpora, Cimarosa etc.). Modernamente, as pesquisas de Francisco Curt Lange, em Minas Gerais, e do padre Jaime C. Dinis, em Pernambuco, ampliaram consideravelmente o conhecimento sobre a evolução musical daquele período histórico.

A atividade musical em Pernambuco, no século XVIII, revelou-se com a descoberta de um compositor, anterior ao chamado barroco mineiro, Luís Álvares Pinto. De sua autoria é a partitura Te Deum laudamus, para quatro vozes mistas (orquestração perdida) e baixo contínuo, encontrada em 1967 pelo padre Dinis.

Não menos importante foi a prática da música na Bahia e em várias outras regiões do país. O musicólogo brasileiro Régis Duprat descobriu um Recitativo e ária, de autor anônimo, escrito em Salvador, que é a única obra setecentista com texto em vernáculo encontrada até hoje. Mais tarde Duprat recuperou obras de André da Silva Gomes, nascido em Lisboa, que chegou em 1774 a São Paulo.

Foi enorme a atividade musical em Minas Gerais, como documenta o trabalho pioneiro de Francisco Curt Lange. Sabe-se agora que, no fim do século XVIII e começo do século XIX, floresceu nas cidades mineiras uma geração de compositores que criaram uma música contemporânea da arte do Aleijadinho e da poesia dos inconfidentes. Entre esses compositores incluem-se José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Marcos Coelho Neto, Francisco Gomes da Rocha e Inácio Parreiros Neves.

A produção musical desses autores, assim como a do padre José Maurício Nunes Garcia, no Rio de Janeiro, nada tem de barroca, embora seja assim chamada. A expressão “mestres do barroco mineiro” foi usada por conotação com o estilo predominante da escultura e arquitetura da época, mas a música que se conhece de mestres brasileiros do período colonial tem outras fontes: provém diretamente do classicismo vienense, que tinha Haydn como referência. Da textura da música mineira está ausente a principal característica do estilo musical barroco: a elaboração polifônica das vozes.

No Archivo de música religiosa de la capitanía general de las Minas Gerais (tomo 1, 1951), editado por Curt Lange na Universidade Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina), figuram as composições dos mestres mineiros. Musicalmente, identificam-se com o estilo clássico ou pré-clássico (Pergolesi, Haydn). São obras impressionantes pela nobreza da inspiração, pela mestria na escrita melódica e coral, assim como pelo tratamento do texto litúrgico, qualidades difíceis de explicar naqueles músicos mestiços que não tiveram nenhum contato direto com os meios cultos. Modernamente, essas obras têm sido executadas com êxito no Brasil e no exterior.

Graças à descoberta dos mestres mineiros, já não continua isolada a figura do padre José Maurício, o grande compositor da época de D. João VI, autor de valiosa música sacra. José Maurício filia-se ao classicismo europeu. Sua música tem, sem dúvida, universalidade de sentido, mas tende, às vezes, a naturalizar-se brasileira por um caminho inesperado: o da modinha. Certas inflexões desse gênero tão caracteristicamente brasileiro impregnam, modificam e transfiguram a obra do padre e antecipam a transformação modinheira que a melodia italiana sofreria no Brasil.

Francisco Manuel da Silva, autor do hino nacional, pertence à geração seguinte. Mário de Andrade chamou a atenção para a “visão prática genial” com que ele organizou o Conservatório do Rio de Janeiro, lançando as bases de nossa cultura musical. Suas modinhas tiveram grande popularidade, ao lado da música religiosa e da que escreveu para o teatro.

Com esses compositores encerra-se o ciclo da música sacra e gêneros afins e começa a era de predominância da ópera italiana. Nesse panorama surgiu, porém, um compositor brilhante: Carlos Gomes, autor de Il guarany e Lo schiavo.

Na evolução da história da música dramática brasileira, Carlos Gomes é o grande nome da segunda metade do século XIX e a afirmação do movimento romântico. Suas obras encontram-se sob o signo do italianismo dominante na arte internacional da época, mas nelas há claros traços da musicalidade tipicamente brasileira, representada na época pelas modinhas. Em algumas de suas páginas mais célebres, Carlos Gomes exprime um vivo sentimento patriótico e revela coincidências com a melodia e o ritmo nacionais.

Depois de Carlos Gomes e até a plena eclosão do movimento nacionalista, com a Semana de Arte Moderna de 1922, a maior parte dos compositores brasileiros contribuiu com sua obra para o estabelecimento progressivo da música caracteristicamente nacional. Por imposição de sua formação artística, no entanto, os primeiros nacionalistas limitavam-se a vestir o tema folclórico brasileiro com roupagens européias, emprestando-lhe a atmosfera do romantismo francês ou alemão.

Escola nacionalista. A primeira figura a ser mencionada, na tendência nacionalista da música brasileira, é a do compositor e diplomata Brasílio Itiberê da Cunha. Sua obra, exemplificada pela rapsódia A sertaneja (1866-1869), para piano, anunciou o período do nacionalismo musical. O precursor dessa tendência foi Alexandre Levy, em cuja obra se evidenciam os traços apenas sugeridos por Itiberê. Em suas composições, a preocupação nacionalista surge com o emprego de temas originais ao lado de melodias autenticamente populares.

Compositores como Leopoldo Miguez, Henrique Oswald e Glauco Velásquez mantiveram-se fiéis ao espírito do século XIX, que era, na música brasileira, o da submissão aos moldes europeus. A obra de Leopoldo Miguez, ilustrada pelas sinfonias Parisina (1882) e Prometeu (1896), apresenta influências de Wagner e Liszt. Henrique Oswald, por sua exclusiva formação européia, influenciada por Gabriel Fauré, sempre esteve à margem do movimento nacionalista. É autor de música de câmara de fatura magistral, eminentemente lírica e subjetiva.

A incipiente tendência nacionalista encontraria perspectivas mais amplas na obra de Alberto Nepomuceno. A partir de 1897, sua produção musical aproxima-se mais da temática e das soluções rítmicas brasileiras. Antônio Francisco Braga, admirado pelas gerações posteriores, tornou-se uma espécie de patriarca da música brasileira, cujos acentos e características próprias eram para ele familiares. Foi essencialmente um compositor sinfônico. Considerado precursor da música moderna, Glauco Velásquez, de origem italiana, introduziu no Brasil o cromatismo de Wagner e César Franck.

A escola nacionalista de composição, cujo desenvolvimento, depois da fase precursora, se completou em poucos decênios para logo tender ao desaparecimento, é a mais importante da música brasileira. Seus representantes, no entanto, não se dedicaram à ópera ou ao balé, formas que poderiam ter ilustrado a tendência. As óperas de compositores brasileiros do período não passaram de esboços mais ou menos frustrados e nunca foram incorporadas aos repertórios executados. Nepomuceno, Francisco Braga, Henrique Oswald, Leopoldo Miguez e, na mocidade, Francisco Mignone e Heitor Villa-Lobos escreveram óperas, raramente representadas.

A escola nacionalista tem como expoente uma figura de projeção universal: Villa-Lobos, que surgiu na Semana de Arte Moderna como representante das novas tendências musicais: adoção das técnicas de vanguarda importadas da Europa e valorização do tema brasileiro. Villa-Lobos foi o primeiro grande artista brasileiro cuja obra assumiu características verdadeiramente nacionais. Dotado de uma impetuosa força criadora, é capaz da mais refinada simplicidade. As raízes negras têm presença marcante em muitas de suas peças. Emprestou, magistralmente, envergadura sinfônica aos choros recolhidos nos ambientes populares do Rio de Janeiro e utilizou, nas Bachianas brasileiras, o estilo próprio de Johann Sebastian Bach dentro de uma temática nacional.

Francisco Mignone, embora não tenha sido um compositor exclusivamente nacionalista, teve seus melhores momentos na música de inspiração brasileira. Foi, principalmente, um mestre da orquestra. Depois da fase nacionalista, experimentou imprevista renovação, pela qual aceitou qualquer processo de composição que lhe permitisse total liberdade de expressão. Certas páginas orquestrais suas, como o Maxixe, o balé Maracatu do Chico Rei (1933) ou a Congada, transcrição para piano da página sinfônica de uma ópera de juventude, O contratador de diamantes (1921), causam forte impressão.

Lorenzo Fernández confirmou a tendência nacionalista. Compositor brilhante, sua música, marcada sobretudo por um sentido admirável de ritmo brasileiro, projetou-se fora do país. Seu nome afirmou-se com o Trio brasileiro para piano, violino e violoncelo. Em sua obra destacam-se ainda composições para piano e canto, sobre textos de poetas brasileiros.

Radamés Gnattali caracterizou-se pelo conhecimento admirável da orquestração e certo cosmopolitismo (leves influências do impressionismo de Claude Debussy e do jazz), aliados a um constante cunho de brasilidade. Entre suas partituras contam-se dez Brasilianas para vários conjuntos e o Concerto romântico para piano, de linguagem moderna e marcante influência jazzística.

Camargo Guarnieri compôs obras nas quais o cunho nacional, predominantemente paulista, se mostra sempre com grande espontaneidade. Essa característica, aliada à clareza da fatura e ao equilíbrio da forma, fez com que alcançasse projeção no exterior. Guarnieri revelou, com relação à ópera, maior preocupação que outros compositores do período. Pedro Malazarte, ópera cômica, traz indicações certeiras de um rumo estético para a criação de uma grande ópera brasileira.

José de Lima Siqueira, compositor nacionalista e admirável orquestrador, foi fundador da Orquestra Sinfônica Brasileira e primeiro presidente da Ordem dos Músicos do Brasil. Destaca-se em sua música o folclore nordestino, como nos bailados Senzala, Uma festa na roça e O carnaval no Recife. Entre suas composições contam-se três sinfonias, poemas sinfônicos, música de câmara e a ópera A compadecida.

Luís Cosme inspirou-se no folclore gaúcho, traduzindo-o em linguagem harmônica e vigorosa, de grande beleza formal. Suas obras se desenvolvem numa atmosfera tipicamente brasileira, como nos balés Salamanca do jarau e Lambe-lambe. Compôs, sobre textos de Cecília Meireles, os autos Nau catarineta e O menino atrasado, para teatro de marionetes, orquestra e coro.

No Rio de Janeiro, em 1939, o grupo Música Viva, fundado por Hans Joachim Koellreutter, músico de origem alemã radicado no Brasil, divulgava as concepções musicais de Arnold Schoenberg. Com seus discípulos, Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Eunice Catunda, aos quais Edino Krieger se uniu em 1945, Koellreutter fundou a revista Música Viva, organizou séries de concertos e lançou o Manifesto 1946, no qual todos confessavam admitir o nacionalismo apenas como um estágio na evolução artística de um povo.

Guerra Peixe procurou conciliar a música serial com elementos nacionais. Ao orientar-se para a música de caráter nacionalista, fez em Pernambuco estudos aprofundados do folclore, que prosseguiu em São Paulo. Essas experiências se refletiram em Brasília, sinfonia com coros. Compôs ainda sonatas para piano e para violão, os Provérbios para baixo e piano, canções folclóricas e seriais.

Cláudio Santoro, depois de sua primeira fase dodecafônica, compôs dentro da estética nacionalista, inserindo formas populares nas grandes estruturas clássicas. Por volta de 1960, abandonou o estilo nacionalista e novamente adotou a técnica dodecafônica. Entregou-se depois, em Mannheim, Alemanha, a experiências musicais de vanguarda, que procuram estabelecer uma aliança entre música e pintura. Seus “quadros aleatórios” constam de uma parte auditiva, gravada em fita magnética, e de uma parte visual representada por um quadro.

Edino Krieger preferiu não seguir uma orientação estética que o filiasse a um grupo, para ter a mais ampla liberdade de escolha de recursos técnicos e expressivos. Estes abrangem as técnicas mais avançadas, como o serialismo e a música aleatória. Entre as obras de maior repercussão internacional figuram suas Variações elementares e Ludus symphonicus.

Marlos Nobre é um compositor que abriu novos rumos à música brasileira, pelo emprego de processos criadores de vanguarda, mas que também fez música absoluta, abstrata pela significação, e que geralmente causa impacto, dada a rara riqueza de sonoridade e o emprego marcante da percussão. Entre suas obras principais figuram as Variações rítmicas para piano e percussão, Rhythmetron, para percussão, e Ludus instrumentalis, para orquestra de câmara.

Todas as correntes vanguardistas estão representadas nas modernas gerações de compositores brasileiros, entre os quais alguns trabalharam na Europa, como José Antônio de Almeida Prado e os compositores de música eletrônica Jorge Antunes e José Maria Neves. Reginaldo de Carvalho fez também música experimental, concreta e eletrônica, sob a denominação de música eletroacústica.

Na Bahia surgiu, em torno de Ernst Widmer, um grupo de compositores de especial importância na moderna música brasileira. Fez música de vanguarda que, embora escrita, deixa margem à aleatoriedade, executada pelos conjuntos sinfônicos ou corais sinfônicos habituais. Entre esses compositores citam-se Lindembergue Cardoso, Jamari Oliveira, Walter Smetak e Milton Gomes. Outros compositores se destacaram em São Paulo (Gilberto Mendes, Willy Correia de Oliveira, Ernst Mahle e Rogério Duprat, entre outros); no Rio de Janeiro (entre os quais Jaceguai Lins, Ester Scliar e Ailton Escobar); e também em Brasília, no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Recife.

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