Comparada ao velho-oeste por alguns, a Internet é terra sem-lei quando o assunto diz respeito a direitos autorais. Na rede, grupos como o italiano Wu Ming e o coletivo brasileiro Sabotagem visam subverter a indústria cultural e instaurar o copyleft – conceito antagônico ao copyright – a fim de reproduzirem a obra que bem entenderem.
No outro lado da moeda, autores, editores e, principalmente, distribuidores, reforçam o coro do status quo. Nesse fogo cruzado, o advogado Hildebrando Pontes, especialista em propriedade intelectual, analisa o caso e pontua suas particularidades.
O significado do nome, “anônimo” em chinês mandarim, já aponta o perfil do Wu Ming (www.wumingfoundationO grupo tem como bandeira principal o questionamento do gênio criador e tratam a obra como um conjunto de sensibilidades que advém do convívio social que, portanto, não é exclusiva do criador.
Tal questionamento, legitima, segundo a tese do movimento, a distribuição das obras à revelia do autor. Afinado a esse manifesto, o Wu Ming edita seus livros e oculta a autoria de seus próprios escritores. De acordo com o site, “a identidade dos cinco membros não é segredo, só que consideramos a nossa obra mais importante que as biografias e os rostos individuais”.
Para Hildebrando Pontes, no entanto, vivemos em uma sociedade em que o direito do autor é reconhecida desde o Império Romano. “É uma tradição que vem da antiga Roma. Aquele que encenava a peça teatral, tinha o direito de exclusividade. É claro que, desde então, isso passou por uma evolução devido à própria história da humanidade, mas há um marco essencial, que é a Convenção de Berna de 1883, em que foi agregado os principais pressupostos que dizem respeito ao direito do autor”.
Fruto da sensibilidade
Sobre o caráter genial do autor, Pontes pergunta: “Salvador Dali é comum? Guimarães Rosa é comum? A obra é fruto da sensibilidade, inteligência e da forma do autor ver o mundo. É isso que o diferencia dos demais. Se ela é fruto de seu trabalho, e vivemos em uma sociedade assim constituída, por que destituí-lo desse direito fundamental?”.
E compara: “Copiar uma obra sem a autoridade do autor é a mesma coisa de pegar um carro que não é seu e sair por aí”, finaliza. Sócio-diretor da editora Mythos, Roberto Varela aponta as dificuldades presentes em seu ramo. “Tenho problemas com xerox e recebo várias queixas sobre cópias indiscriminadas”.
Soma-se a esse fato, a própria distribuição do mercado. “O autor normalmente fica com 10% do preço de capa de um livro e o distribuidor com 50% a 55%. A editora, com certeza, é a que menos ganha e a primeira tiragem é prejuízo na certa. Temos gastos com gráficas, promoções, noites de autógrafo… Só a partir da segunda edição que você começa a ter algum retorno”, conta.
Se depender do coletivo Sabotagem e do seu slogan “Conhecimento não se Compra. Se Toma”, Roberto Varela pode ficar preocupado. O site dos anárquicos (www.inventati.org/sabotagem) possui mais de 200 títulos disponíveis, sendo muitos clássicos e outros nem tanto, como o “Manual da Delinquência Juvenil”.
Com um discurso político fundamentado no acesso indiscriminado à informação, o coletivo está dando trabalho e já chegou a ter seu site retirado do ar. Mas eles voltam. Segundo Hildebrando Pontes, o coletivo não pode resumir o problema da cultura relegando a autoria. “O problema é mais complexo e diz respeito a conjunturas macro que vão além da atuação individual e anárquica.”