Morre o grande mestre-sala Delegado, da Mangueira

Sambista Delegado, da Mangueira, morre aos 90 anos

Morreu na manhã desta segunda-feira, aos 90 anos, o mais famoso mestre-sala do carnaval carioca. Hélio Laurindo da Silva, conhecido como Delegado (por “prender” as cabrochas na conversa), era presidente de honra da Mangueira e estava internado na Clínica Santa Branca, em Duque de Caxias, com câncer. A notícia foi confirmada pelo presidente da escola de samba, Ivo Meirelles, em seu blog e na página que mantém no Facebook.

Lamento, profundamente, informar que acaba de falecer o maior mestre-sala de todos os tempos e nosso presidente de honra, Mestre Delegado! (…) E que Deus possa receber em paz a alma deste que, para mim, foi o mais mangueirense dentre todos os mangueirenses”, escreveu Ivo Meirelles.

O corpo do mestre-sala será velado a partir das 19h desta segunda-feira, na quadra da Mangueira, na Rua Visconde de Niterói 1072. Delegado será sepultado nesta terça-feira, às 10h, no Memorial do Carmo, no Caju, Zona Portuária do Rio.

Em entrevista, no início da tarde desta segunda-feira, Ivo disse que a Mangueira perdeu seu mais ilustre ícone vivo, e que a escola vai preparar uma grande homenagem para seu velório:

– Que todos venham vestidos a caráter, com as cores da Mangueira, para reverenciar essa lenda. Ele era a maior referência dessa escola. A Mangueira perdeu seu pai, e todos nós aqui ficamos órfãos com a morte do Delegado. Ele era o maior dançarino de todos os tempos da escola. Sempre dançou por amor, numa época em que não havia dinheiro. Delegado era o maior baluarte da escola vivo. Não havia ninguém com a história dele. Lembro do Nelson Cavaquinho, quando falava sobre o enorme talento de dançarino do Delegado, que nunca tirou nota abaixo de 10 nos desfiles da agremiação. Nos últimos três anos, mesmo lutando contra um câncer, ele participava de todos os eventos da Verde e Rosa.

Atual mestre-sala da Mangueira, Raphael Rodrigues, de 28 anos, disse que sempre teve grande admiração por Delegado, com quem teve o primeiro contato há dez anos, época em que tinha aulas de dança no Projeto Mestre Dionísio. Mas foi no fim de 2009, quando foi chamado para atuar como mestre-sala na Verde e Rosa, que Raphael estreitou os laços de amizade com Delegado.

– Delegado era um ícone do carnaval. Posso garantir que 80% do solo que apresento nos desfiles é feito com base nos passos de Delegado – disse Raphael, que esteve com seu mestre pela última vez no sábado, dia 3, na quadra da Mangueira.

O jovem discípulo de Delegado lembra que, naquela noite, o mestre-sala permaneceu sentado a maior parte do ensaio e, contrariando o que sempre fazia, não evoluiu com a porta-bandeira Marcella Alves.

– Sempre que ele chegava à quadra, como forma de reverência, nós o puxávamos para o meio da quadra. Naquela noite, ele disse que estava com dores nas pernas e não poderia evoluir como sempre fez. Estou muito triste com a morte dele – lamentou.

Para a porta-bandeira da Beija Flor de Nilópolis, Selminha Sorriso, Delegado era um embaixador do samba, um apaixonado por sua arte e um grande mestre de todos os mestres-salas que atuam hoje:

– Todos, sem exceção, tinham em Delegado um exemplo, todos tiveram inspiração nele e copiam seus passos, como o carrapeta, voleio, curupira e tantos outros. Sempre que eu tinha oportunidade de estar perto dele, aproveitava para aprender algo sobre a história e a inspiração de passos que ele criou. Graças a figuras como Delegado, Neide, Vilma e outros ícones do carnaval, que hoje somos tratados como artistas, recebemos convites para apresentações no exterior. Sempre que eu o encontrava não tinha como não reverenciá-lo. A arte fica, e o artista nunca morre. Ele criou, inovou e deixou sua arte para todos os apaixonados pelo samba e pelas escolas de samba.

Nasceu sabendo

Filho de um dançarino de valsa e de uma doceira, ele teve um irmão ritmista, responsável pelo surdo (instrumento-chave da bateria) e uma irmã, Suluca, da ala das baianas. Entre Cartola, Carlos Cachaça, Balalaica, Chico Porrão e outros mangueirenses que fizeram a história da escola, construiu a mais sólida amizade com Waldomiro, fundador e primeiro presidente da bateria Surdo 1, a orquestra verde e rosa.

Chegou a flertar com a ala — mangueirense que se preze é cevado no ritmo vigoroso dos tambores —, mas, ainda adolescente, passou a observar Jorge Rasgado, o mestre-sala da época, até se enfeitiçar por completo. Imitava os passos, caía, levantava, repetia. Estreou dia 8 de fevereiro de 1948, na Praça Onze, a Sapucaí de então. A Mangueira cantou o Vale do São Francisco (samba de Cartola e Carlos Cachaça) e ficou em quarto lugar no carnaval, vencido pelo Império Serrano. Delegado e Nininha, seu primeiro par, ganharam nota 10. Nascia a lenda.

O primeiro dos oito títulos no posto veio no ano seguinte, início de uma saga interrompida apenas por doença, como a contraída numa viagem à França, em pleno inverno. Não prestou.

— Aquela friagem me derrubou. Muito ruim — reclamou, em entrevista à Revista O GLOBO, publicada em 7 de agosto de 2011.

Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, Delegado fez parte do Bloco Carnavalesco Unidos da Mangueira, que mais tarde, junto a outros blocos do morro, veio a formar a escola de samba Mangueira. Na escola fez parte da bateria tocando surdo e mais tarde chegou a diretor de harmonia e de bateria. Como mestre-sala fez dupla com as porta-bandeiras Neide e Mocinha, além de Mocinha, com as quais recebeu por 36 vezes a nota máxima nos desfiles da escola.

O último ano como mestre-sala foi o predileto: 1984, inauguração do Sambódromo, do enredo “Yes, nós temos Braguinha”. Foi também o primeiro desfile em dois dias (a Portela venceu domingo, e a Mangueira, segunda). No sábado seguinte, veio o desempate, e a verde e rosa acabou supercampeã, com a suprema apoteose de voltar pela Avenida, delírio jamais repetido na história da festa.

— Achei que era a hora. Minhas porta-bandeiras estavam se aposentando, não fazia mais sentido — contou Delegado, no melhor modelo sambista, a sábia decisão de, como Seinfeld, os Beatles e mais uns poucos, parar no auge.

Nos últimos desfiles, ele saía no carro dos baluartes, o mais esperado no sempre visceral desfile mangueirense, ao lado de bambas como Nelson Sargento, Ed Miranda, Raymundo de Castro. Mas ia aos ensaios técnicos de todas as escolas na Passarela, para curtir o samba e vigiar, com olho clínico, os casais da bandeira.

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