Para se livrar de um carrapato, o rei dom João VI inaugurou o costume no Brasil Até 1810 ninguém tomava banho de mar no Brasil. Mulher nenhuma se esticava na areia de biquíni fio dental até torrar como um camarão. Não tinha futebol ainda e muito menos futebol de areia. Não tinha surf, nem rodinhas de banhistas descansando sob guarda-sóis. Ninguém considerava costumeiro nem civilizado lagartear na areia até 1810. Mas, naquele ano, o rei dom João VI faria um mergulho na Praia do Caju, hoje um lugar degradado na zona portuária do Rio de Janeiro. O monarca estava com a perna infeccionada por causa de um carrapato e seguia orientações médicas. Sem querer, ele inaugurou o costume que hoje lota as praias de banhistas e vendedores de queijo coalho.
Na França e na Grã-Bretanha, distintas senhoras já tomavam seus banhos para curar doenças físicas e até psíquicas. As teorias sobre o benefício do banho de mar eram a última palavra na medicina da Europa. E foi lá que os desesperados médicos de dom João foram buscar a receita para curar o rei que vivia no Brasil havia dois anos.
A idéia de que a água – sobretudo a água salgada do Canal da Mancha – era um santo remédio veio de uma teoria do médico e religioso inglês John Floyer nos primeiros anos do século 18. Além de criticar a igreja por modernizar a cerimônia do batismo (que virara um mero espirro de gotas na testa), o doutor Floyer acreditava que o mar tinha poderes milagrosos até para paralíticos. Sua obra inaugural, a História do Banho Frio, foi publicada em dois volumes, em 1701 e 1702. Mas a corrida às praias na Europa começou mesmo meio século mais tarde, em 1749, quando outro inglês, o doutor Richard Frewin, descreveu a primeira cura por banho de mar.
Sessenta anos depois, havia no Velho Continente uma enxurrada de publicações de métodos para o tratamento marinho. Os médicos de dom João decidiram tentar. E a receita deu certo: o monarca curou-se. Com o sucesso, os banhos atraíram a corte portuguesa alojada no país. Logo surgiram as primeiras casas de banhos terapêuticos, que ofereciam aos banhistas piscinas com água do mar e locais para se trocar e guardar as roupas. Em um anúncio de 2 de dezembro de 1811, do jornal A Gazeta do Rio de Janeiro, uma casa de banho oferecia seus serviços por 320 réis, o dobro do preço de um ingresso do Circo Olímpico, o principal da cidade.
Do barril ao topless
Pegar praia dava cadeia até a década de 20
Barril inaugural
O traje de banho usado em 1810 por dom João VI não era nada convencional nem mesmo para a época. O rei de Portugal tinha medo dos caranguejos e só aceitou entrar na água dentro de um barril. O recipiente que lhe serviu de roupa tinha o fundo tapado. Na lateral havia um pequeno buraco, por onde a água entrava. Conforme as exigências do monarca, apenas suas pernas podiam ser molhadas.
É Proibido Ver
A preocupação do governo e dos banhistas com a falta de pudor nas praias era enorme. Inicialmente, as senhoras banhavam-se de madrugada, para não serem vistas. Contra os moleques que as importunavam, as casas de banho colocavam em suas paredes avisos como este: “É expressamente proibido fazer furos nestas cabines à verruma ou pena, os encontrados nessa prática devendo ser entregues à ação da polícia”.
Hora do banho
Em 1917, o prefeito carioca Amaro de Brito regulamentou os horários de praia. De 1º de abril a 30 de novembro, podia-se entrar na água das 6h às 9h e das 16h às 19h. No verão, das 5h às 8h e das 17h às 19h. Quem fosse pego em outros horários era punido com multa ou cinco dias de cadeia.
Olha o maiô aí
A liberdade de freqüentar a praia sem a perseguição da polícia começou com os esportes aquáticos. Em 1880, aconteceram as primeiras regatas, por influência inglesa. A primeira mulher a vestir um maiô de peça inteira, colado ao corpo, foi a campeã olímpica Annette Kellerman, na Olimpíada de Estocolmo, em 1912.
Jânio e o biquíni
Em 1946, o francês Louis Reard chocou o mundo ao mostrar dançarinas de cabaré com o umbigo à mostra, vestidas apenas com a sua invenção, o biquíni. Quinze anos depois, a polêmica chegou ao Brasil: o biquíni foi proibido nas praias nacionais pelo pacote moralista do presidente Jânio Quadros, que vetou também corridas de cavalo, rinhas de galo e o lança-perfume. Mas a moda já tinha pego por aqui fazia tempo.
Topless na cadeia
Em 1964, a novidade foi o monoquíni (ou “topless”), que foi criticado pela Igreja mas apoiado por Roberto Carlos em músicas como “Eu sou fã do monoquíni”. Apesar do lobby do rei, o traje ainda é polêmica. Em 2000, depois de tirar a parte de cima do biquíni na praia do Recreio, a carioca Rosimeri Costa foi presa por 20 policiais.
Até 1860, as praias serviam de lixão
Em vez de guarda-sóis, urubus, lixo, excrementos e cádaveres
Álvaro Silva
Quando os membros da Corte aderiram à atitude de ir às praias cariocas, grande parte da areia das grandes cidades funcionava como lixão. Cheias de lodo, carcaças de bichos e rodeadas de urubus, as praias também recebiam os barris carregados pelos escravos com os excrementos das casas da cidade. Mais que isso: os mesmos negros, depois de mortos, tinham seus corpos lançados à maré ou mal enterrados na areia fofa. “Praia queria dizer então imundície”, escreveu Gilberto Freyre em Sobrados e Mucambos. Esse costume durou até 1860, quando o Estado começou a se preocupar com o assunto. Naquele ano, os primeiros canais de esgoto foram construídos nas principais praias da Capital. Sugeridas por médicos e engenheiros sanitaristas, as inovações eram espelhadas em projetos da França, que resolvera seu problema de saneamento um século antes.
A situação horrenda das praias da Lapa e de Santa Luzia (hoje regiões aterradas no centro do Rio de Janeiro), incompatível com a moda dos banhos de mar, obrigou o governo a desenvolver as vias de transporte para praias mais distantes e limpas. Em 1906 foi inaugurado o Túnel Novo, que abriria caminho para os banhos – e os edifícios – em Copacabana. Salvador e Recife seguiriam o mesmo caminho. Nas velhas cidades do norte, a moda do banho mudaria a geografia urbana. A elite, dona dos grandes sobrados, antes instalados nas margens dos rios ou em regiões centrais, migraria para a beira-mar, obrigando o governo a investir no saneamento das praias.
por Álvaro Silva
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