Mergulho na cultura popular

ifrainArte que é artesanal, que vai para galerias de todo o mundo, mas não se esquece de levar consigo o sertão cearense. Com suas referências à cultura e à arte populares, Efrain Almeida talha a infância em Boa Viagem em madeira no Rio de Janeiro.

Nascido em Boa Viagem, crescido em Fortaleza e feito artista no Rio de Janeiro, Efrain Almeida nunca deixou de lado sua raiz sertaneja. Suas influências visuais são memórias da infância sertaneja: os entalhes dos artesãos, os ex-votos das igrejas, os pintinhos do terreiro. A mãe cuidava do jardim, e o pai se ocupava com a marcenaria. Quando se mudou para o Sudeste, quis estudar arte.

 

Começou pintando. Entre suas experimentações, utilizava a madeira como tela. Hoje se dedica mais à escultura, que talha na umburana, que conhecia dos tempos de criança, do terreiro da mãe e do trabalho do pai. Cheias de lirismo, as imagens de Efrain abordam questões do corpo, da sexualidade, da religião, da natureza. Artista contemporâneo mergulhado em cultura popular.

 

Em entrevista ao O POVO, Efrain fala de sua obra e comenta, com propriedade, as relações entre arte e artesanato e o preconceito que ainda existe quanto à aceitação da arte popular como peça dotada de valor e requinte, tanto na utilização em ambientação quanto na exposição em galerias. (Alinne Rodrigues)

 

Na sua obra, a influência do artesanato é muito forte. Você faz figuras pequenas, esculpe em madeira. Como essa técnica artesanal começou a fazer parte da sua obra?

 

Efrain Almeida – Não foi uma coisa proposital. Tem a ver com o processo de trabalho e das questões que me interessam. Inicialmente eu fazia pintura, mas já usava madeira como suporte. Depois, com o processo de trabalho, passei para a escultura. Comecei a utilizar madeira como matéria mesmo. As imagens são sempre referentes à minha história. Fui pesquisar materiais. Antes utilizava o cedro, mas, de uns anos para cá, mudei para a umburana, uma madeira que tem toda uma tradição, que é utilizada na confecção de brinquedos artesanais. A escolha tem a ver com essa ideia de um certo imaginário popular. A coisa da artesania sempre me interessou. O meu trabalho de pintura também era muito meticuloso, rebuscado. Acho que a artesania na pintura é uma característica, tem o gesto, a mão, assim como o artesanato e a escultura.

Você usa uma técnica artesanal, material artesanal, mas não faz artesanato. Como uma técnica e um estilo de artesanato pode se tornar arte? O artesanato é utilitário, e a arte não é?

Efrain – Isso é muito complexo. Existe artesanato que é arte e artesanato que não é. Existe o artesanato comercial, que as pessoas fazem por uma ideia de identidade local e vão repetindo aquilo por tradição. Existem artesãos que têm um trabalho muito específico que você pode classificar como artista, que está fora do utilitário. O cara cria um imaginário. E existe ainda a questão da arte contemporânea e a arte popular: quando um contemporâneo usa uma técnica artesanal, existe um conceito; existem também os ingênuos, que têm a ver com tradição, sem um pensamento.

 

É por isso que peças de artesãos e artistas têm valores comerciais tão distintos?

 

Efrain – O valor da arte é um valor completamente abstrato, que tem a ver com o mercado, com um sistema mercadológico. Eu não sou ingênuo de acreditar que um cara que mora no meio do mato, que não tem a menor informação de absolutamente nada, possa entrar no mercado contemporâneo e ser classificado como grande artista. Acho que ser um grande artista está ligado a informação e conceito. Agora, em nenhum momento existe da minha parte nenhuma arrogância com os artistas populares, apenas são coisas distintas.

 

 

Seu pai trabalha com os mesmos materiais que você, mas não faz arte. Como você se tornou artista e não artesão?

 

Efrain – Pela minha história. A minha família mudou para Fortaleza, eu estudei em Fortaleza. Depois me mudei para o Rio, estudei arte aqui. Toda essa rede, essa formação que eu tive, me fez olhar para essas coisas, a tradição, a minha história, a da minha família, mas de um modo completamente outro, crítico e distanciado. É um outro jeito de olhar para as coisas.

Quando a gente olha para o design no mundo inteiro, a gente vê que existe uma admiração pelo artesanato nordestino na decoração, em ambientes sofisticados. Por que o brasileiro em geral não tem essa percepção?

 

Efrain – Preconceito. Sabe qual? Uma espécie de complexo que o nordestino tem em relação ao artesanato. O mundo inteiro valoriza isso. A Prada usou isso numa coleção e foi ovacionada. A Viviene Westwood usou richelieu, que, pra gente, é superbanal, em uma coleção. Existe um complexo de inferioridade, parece que aquilo não tem valor só porque faz parte do nosso cotidiano. Fico pensando que, se eu morasse no Ceará a vida inteira, talvez meu trabalho fosse diferente. Talvez eu estivesse tão próximo que não conseguisse sentir.

 

 

Talvez até o seu reconhecimento fosse outro, não é?

 

Efrain – O preconceito é uma leitura prévia que as pessoas fazem antes de conhecer. Eu tenho feito muitas exposições internacionais. Domingo (hoje) eu viajo para os Estados Unidos para minha quarta exposição em Seattle. Todas as vezes, meu trabalho tem uma ótima recepção, porque as pessoas não olham com esse olhar preconceituoso, olham como arte, não como artesanal, que tem ligação com cultura popular. Na verdade, para eles, isso é um valor a mais para o trabalho, um valor positivo, não negativo.

 

 

Será que é necessário estar em outro país, em outro continente para que o artesanato seja reconhecido como arte? É uma questão de ponto de vista?

 

Efrain – Mesmo no Brasil, acho que a gente consegue. A pintura da Beatriz Milhazes se refere ao popular. Ela fez alguns trabalhos com rendas, com caju, carnaval que têm super a ver. É pintura, tem relação artesanal, porque é um trabalho supermeticuloso e manual, e ela é uma das maiores pintoras do Brasil. Sem dúvida nenhuma.

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