A madrugada de sexta-feira (27) foi marcada por mais um ato de ódio, barbárie e intolerância religiosa. Por volta das 5 horas da manhã, o Corpo de Bombeiros recebeu uma ligação que se tornou frequente, ao longo dos últimos meses, no Distrito Federal: relato de incêndio a um terreiro de religião de matriz africana.
Desta vez, o incêndio foi no terreiro Ylê Axé Oyá Bagan, localizado entre as regiões do Lago Norte e do Paranoá, em Brasília (DF). Este é o quinto atentado a templos de religiões afro-brasileiras no Distrito Federal e municípios goianos do entorno em intervalo de apenas três meses. Em setembro, foram registradas ocorrências no Ilê Axé Queiroz, em Santo Antônio do Descoberto; no Ilê de Babá Djair de Logun Edé, em Águas Lindas de Goiás; no Ilê Onibo Aráiko, no Novo Gama; e no Ilê de Pai Ricardo de Omolú, em Valparaíso de Goiás.
Mãe Baiana, responsável pelo templo incendiado e chefe do Departamento de Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares (FCP), entidade vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), estava no terreiro na hora do atentado.
“Estava dormindo. Por volta das 5h da manhã, acordei, ouvi os cachorros latindo e um barulho diferente. Quando abri a porta, vi um clarão”, conta, emocionada. “Tentamos apagar o fogo, mas ele se alastrou muito rápido. O fogo veio de fora para dentro. Se estivesse lá dentro, não teria conseguido sair”, afirma.
Mãe Baiana milita há anos contra a intolerância religiosa e o racismo e já acolheu vítimas de crimes cometidos a outros terreiros. “Essa é minha bandeira e minha luta. Isso já vem acontecendo há muito tempo”, lamenta.
Não houve feridos, nem mortos, mas, quando a viatura dos bombeiros chegou ao local, o fogo já tinha tomado conta do espaço e dado perda total material, incluindo objetos, como os igbás (representações dos Orixás). A perícia, segundo o Corpo de Bombeiros do DF, levará cerca de 30 dias para ficar pronta.
Repúdio
A presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Cida Abreu, demostrou apoio à Mãe Baiana e foi enfática ao repudiar o ocorrido. “É mais um atentado a uma liderança que socorreu todos os outros terreiros que foram quebrados, queimados e invadidos no entorno de Brasília e que faz parte de uma rede nacional pelo movimento nacional, que é a Renasce, que defende todos os direitos de todos os terreiros de umbanda e candomblé do Brasil”, afirmou.
“É muito assustador essa resposta a uma liderança que defende os outros. Acredito que Mãe Baiana continuará empunhando sua bandeira e defendendo os terreiros. Terá apoio do ministro (da Cultura) Juca (Ferreira), de todo o governo federal e de toda a sociedade civil organizada para que não paremos de denunciar até que a sociedade brasileira entenda que a liberdade religiosa é direito de todo ser humano”, disse.
A luta contra o racismo e contra a intolerância religiosas é pauta prioritária do Ministério da Cultura. “É lamentável mais este ataque a um terreiro no Distrito Federal. Isso cria um clima de intolerância que não é natural do Brasil. Não podemos trazer para o nosso País, de forma alguma, esse tipo de conduta criminosa”, afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira.
De acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), entre 2011 e 2014, o Disque 100 – canal de denúncias de violações aos direitos humanos – registrou 462 queixas de casos de intolerância religiosa contra o povo de santo.
Nota da FCP
Em nota de repúdio ao ocorrido, a Fundação Cultural Palmares informou algumas medidas que foram tomadas ao longo desta sexta-feira em relação ao atentado.
A procuradora federal Lígia Maria da Silva Azevedo Nogueira e a chefe de gabinete Márcia Teresinha da Cruz Fernandes, ambas da Fundação Cultural Palmares (FCP), foram acionadas para acompanhar a perícia da polícia civil e prestar as primeiras assistências.
A procuradora Lígia Nogueira comunicou que, após o registro junto à polícia civil, irá lavrar a ocorrência na Procuradoria e, em seguida, encaminhá-la à Ouvidoria do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, ao Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), à Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do Distrito Federal e às comissões de Direitos Humanos do Congresso Nacional e da Câmara Legislativa.
“É preciso que se entenda, de uma vez por todas, que o preconceito, a discriminação e a violência contra os espaços e os adeptos dessas religiões é crime (Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997), e que esses tipos de episódios não são aceitáveis nem condizentes com uma democracia”, escreve Cida Abreu.
Luta contra intolerância religiosa
No Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado todo 20 de novembro, durante cerimônia realizada no Quilombo dos Palmares (AL), o ministro da Cultura, Juca Ferreira, e a presidente da FCP, Cida Abreu, reafirmaram a luta e o repúdio do governo contra toda forma de racismo e intolerância religiosa. Na ocasião, a FCP lançou a marca da campanha “Filhos do Brasil”, que visa lutar em prol dessa causa.
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