A confirmação do nome do Colombiano Ricardo Vélez Rodrígues como Ministro da Educação fez com que a nuvem de preocupação e indignação que já pairava nos meios educacionais brasileiros ficasse ainda mais densa aumentando a apreensão dos educadores, especialistas e pesquisadores, das escolas, institutos e instituições de educação superior.
O novo ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro é a síntese da interferência do conservadorismo fundamentalista nas políticas educacionais brasileiras.
Representa o ataque a produção, discussão e livre difusão de ideias. Ou seja, um ataque a essência da educação como tal.
Um ministro que, em nome de lutar contra um “doutrinamento” cuja base científica inexiste e que, como sabemos, é retorica produzida por uma alucinação fundamentalista. Ao mesmo tempo, serve de instrumento a poderosos interesses econômicos que, em nome de combater a chamada doutrinação, se propõe a salvar a sociedade brasileira tomando para si a administração das verbas da educação através da gestão privada que, segundo eles, será “ pura e não ideológica da escola e dos livros didáticos” . Uma gestão privada com conteúdo ideológico conservador, esta é a novidade.
Os privatistas estão em disputa no governo.
Não é à toa que o nome de Mozart Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, cujo nome havia sido ventilado antes, foi barrado pela bancada evangélica por ser “progressista demais”. Em verdade, além desse argumento ideológico, o que está também em disputa é o domínio das verbas da educação.
Nessa disputa estão as fundações de interesse privado que, há muito tempo, já recebem o dinheiro da educação pública no Brasil através da oferta de serviços de gestão e de assessoramento, mas que não estão necessariamente vinculadas a ideologia do obscurantismo e o segmento composto pelo capital aberto e seus acionistas no Brasil muitos deles financiadores de campanha e que atuam fortemente na educação. Esses grupos possuem grandes editoras educacionais e plataformas de educação a distância prontas para serem vendidas ao estado para serem aplicadas na educação fundamental e média e na formação de professores.
Não é à toa que o programa de educação de Bolsonaro defendeu a educação fundamental e media a distância, e fez um ataque a produção de material didático “doutrinador e proliferador de ideias insanas” .
Esse grupo tem feito pressões para que a educação no Brasil se torne um serviço da OMC o que a libertará da regulamentação educacional inclusive de qualidade. Esse segmento lucrará muito também com avaliação do PISA ,que somente privilegia o ensino de matemática e português e que, para ser aplicado nacionalmente, necessita de convênios e negócios.
Esses grupos de capital aberto se congregam nesse momento a associações fundamentalistas religiosas e com partidos de direita.
Essa vinculação ocorre porque essas associações possuem interesses em gerir as instituições de educação pública no Brasil em nome da moral, dos bons costumes e da não doutrinação.
A educação sempre foi, desde a antiguidade um campo de disputa, e isso ocorre agora em nome do lucro e do controle ideológico retrogrado.
Vivemos no Brasil a possiblidade real de dois grandes retrocessos educacionais: o fim da educação pública, gratuita, democrática e cidadã, que está sob forte ameaça, e o ataque a educação laica como princípio republicano desde o fim do período feudal.
No Brasil e na grande maioria das nações do mundo a educação laica é um princípio constitucional. Aqui esse princípio está mantido apesar da recente decisão do STF que afirma a possibilidade de o ensino religioso ser opcional nas escolas públicas.
O que pretendem os novos gestores da educação, construindo dados falaciosos sobre doutrinação e incitação a práticas sexuais precoces na escola, é o domínio ideológico autoritário, preconceituoso e atrasado das escolas brasileiras e, ao mesmo tempo, o domínio de volumosos recursos que poderão administrar através de suas empresas e associações de caráter privado.
O filósofo e professor universitário, aposentado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que, num paradoxo, nega o questionamento, a reflexão e construção livre de ideias, essência da filosofia moderna, será, sem dúvida, um gestor das verbas educacionais e das políticas públicas que atendam a determinados interesses. Administrará R$ 120 bilhões e abrirá ótimas oportunidades de negócios na educação . Para isso ele foi escolhido.
Um dos beneficiados poderá ser diretamente Paulo Guedes o novo Guru da economia, já que possui ligações, inclusive familiares, com associações que congregam poderosas entidades educacionais privadas.
Paulo Guedes nos últimos anos teve como foco o investimento no setor de educação privada de capital aberto, através da Bozano Investimentos. Ele investiu em grupos, escolas, universidades e editoras de livro escolares, prevendo um fortalecimento de um segmento da privatização educacional no Brasil.
As empresas que fazem parte da Bozano Investimento reúnem hoje centenas de milhares de estudantes. Uma dessas empresas é o maior grupo de capital aberto do mundo – a Kroton Educacional – além do Somos Educação e do grupo Anima.
Com o projeto da “Escola Sem Partido” em pauta no Congresso Nacional e às vésperas do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Contee contra a Lei da Mordaça de Alagoas, a indicação de Vélez Rodríguez é mais uma afronta ao magistério (cada vez mais atacado e perseguido, algo que se acentuou após as eleições). Perseguição sem nenhum fundamento, ataque covarde a um segmento de dedicados profissionais que lutam dia a dia pela educação no Brasil.
A situação exige ao mesmo tempo, a necessidade e a urgência de uma forte unidade e um poderoso movimento em defesa de princípios que estão garantidos na Constituição: a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, bem como a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, assim como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
A nomeação de Ricardo Vélez Rodrígues representa o alojamento do obscurantismo no Ministério da educação. E, como o obscurantismo não é democrático, não aceitará o diálogo, nem as diferenças de opinião.
A Educação no Brasil podemos afirmar, não será mais educação; será perseguição e repressão.
Em resumo, trata-se de um enorme retrocesso, uma grande tristeza para aqueles que são educadores de fato e uma enorme vergonha internacional.
*Madalena Guasco Peixoto é professora titular da Faculdade de Educação da PUC-SP e Secretária Geral da Confederação Nacional dos trabalhadores em estabelecimentos de ensino (CONTEE).
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