Leci Brandão: “País deve produzir sem atacar quem defende indígenas”

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Cantora e compositora com 23 álbuns gravados, primeira mulher a participar da ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira. Ativista da igualdade racial, foi conselheira da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial entre 2004 e 2008, no governo Lula, e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Comentarista de carnaval da Rede Globo no período entre 1984 e 2010 e deputada estadual pelo PCdoB, Leci Brandão não quer polêmica com a Globo, nem com ruralista

Colocada em saia justa pela reportagem, que a questionou sobre um possível boicote à escola de samba Imperatriz Leopoldinense pela emissora alinhada aos interesses dos ruralistas, ela foi diplomática. “Eu espero que isso não aconteça porque nós vivemos em uma democracia. Outra coisa é que há uma ‘licença’, uma liberdade, para os artistas explorarem determinados assuntos. É uma prerrogativa que a escola de samba tem, como os artistas, de escolher o tema que ela quiser”, destaca Leci.

“O samba-enredo não está defendendo o nazismo, o racismo. Está falando de coisas verdadeiras; esta falando de pautas brasileiras.”

Em 2016, entretanto, a Unidos de Vila Isabel, que homenageou Miguel Arraes, foi prejudicada pela transmissão da emissora. Com o argumento de não interferir em sua grade, a Globo começou a transmissão mais tarde, mas a escola ainda estava na avenida. Um áudio vazado deixou claro que havia orientação para Fátima Bernardes não fizesse comentários sobre a escola, ao qual ela respondeu com um “nossa, se o compacto ficar sem esse final, vai ficar muito estranho.”

Seja como for, Leci sai em defesa da Imperatriz, que tem sido alvo de críticas dos ruralistas desde o começo de janeiro, quando divulgou seu samba-enredo Xingu, o Clamor que vem da Floresta.

Como o tema aborda a luta dos povos indígenas contra a cobiça de seus territórios pelo agronegócio e enaltece sua relação ancestral com  a preservação da natureza, lideranças ruralistas se sentiram afrontadas e empreenderam uma campanha difamatória contra a agremiação.

Além do aspecto da disputa pela terra, eles se sentiram afrontados também pelo debate que a escola de samba levanta quanto ao modelo produtivo do agronegócio. Baseado principalmente na monocultura em grandes latifúndios, com uso de agrotóxicos, tem contaminado o solo, a água, lavouras vizinhas e causado diversos tipos de doenças nos agricultores e nos consumidores dessa produção, no campo e na cidade.

Na quinta-feira (9), o senador Cidinho Santos (PR-MT), usou a tribuna para enfatizar a contrariedade ao enredo da escola, “que coloca o agronegócio como vilão das questões ambientais”. Dizendo-se totalmente a favor da homenagem aos povos indígenas do Xingu, “que são irmãos nossos e merecem  homenagem”. “Mas também sou contrário que para se fazer homenagem aos povos indígenas se faça uma ofensa à agricultura e à pecuária justamente num momento como esse, em que nosso ministro Blairo Maggi viaja o mundo fazendo novas relações comerciais, muitas das quais estão sendo tratadas pelo presidente americano (Donald Trump)”, afirmou.

“Temos de aproveitar para divulgar que nosso país é totalmente sustentável. É isso que temos de vender para os outros países”, concluiu.

Posicionamento

“Não quero entrar em polêmica com a rede Globo. Já tive muitos problemas por causa dos comentários que eu fazia; tem toda essa história aí. E pelo fato de eu ser parlamentar, eu não posso nem participar de programas. O que eu quero é mostrar o meu posicionamento em defesa dos povos indígenas e desse povo maravilhoso, que nos ensinou muitas coisas”, destacou a sambista.

Realçando a tradição da concorrente Imperatriz Leopoldinense, a mangueirense Leci recitou versos do samba-enredo que enfureceu o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) a ponto de prometer a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades da escola.

“Na aldeia com flautas e maracás, kuarup é festa, louvor em rituais, na floresta… harmonia, a vida a brotar, sinfonia de cores e cantos no ar, o paraíso fez aqui o seu lugar, jardim sagrado o caraíba descobriu, sangra o coração do meu Brasil…. Chegar aonde ninguém chegou, lembrar a coragem e o amor dos irmãos, e outros heróis guardiões, aventuras de fé e paixão, o sonho de integrar uma nação”.

E foi além: “A imperatriz tem o direito de defender o Xingu; não está fazendo nada de anormal, nada contra o Brasil”, diz, lembrando em que nos anos 1980 gravou o LP Essa Tal Criatura. Em uma das faixas, Nas Águas do Rio Negro, ela canta sua pequenez diante da grandeza da Amazônia. “Amazônia que naquela época já estavam querendo vender, vender a mata, fazer genocídio dos povos indígenas.”

Com a vida transformada pelas orientações espirituais da uma entidade chamada Caboclo Rei das Ervas, “um caboclo, índio”, conforme contou, disse  adorar os povos indígenas. “Adoro essa coisa da preservação da natureza, como eles lidam e defendem a natureza. Claro que o Brasil tem de ter desenvolvimento, produzir alimento. Mas não podemos sacrificar uma escola de samba que defende os povos indígenas. Sou a favor do enredo da escola.”

E num recado a Caiado, alfinetou, com elegância: “Se as pessoas vão fazer CPI? Acho tudo muito espetáculo para uma coisa tão justa que é você querer defender os povos indígenas.”

Essa defesa, conforme destacou, é importante sobretudo no momento atual.  “Um momento difícil o que vivemos, com manifestação de ódio, como foi mais recentemente com a ex-primeira dama Marisa Letícia, que sempre me tratou com distinção. As pessoas estão misturando tudo. A cultura do ódio está me incomodando muito. Temos de falar da importância do diálogo, debater, mas com educação, bom senso, equilíbrio, porque as pessoas estão querendo se matar por causa de sigla partidária. Eu não suporto isso. As pessoas querem fazer CPI de tudo, é lava jato de tudo. Daqui a pouco vão querer dizer que o carnaval da imperatriz tem alguma coisa de corrupção.”

Fonte: RBA

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