iPod: em meio à crise do mercado, artistas começam a se posicionar

iPodParece não haver dúvida que o futuro da indústria da música é atravessado pelo virtual – mp3, internet, lojas online de canções. A grande e cada vez mais urgente questão é: quem vai pagar a conta? Tanto lá fora como no Brasil (que teve o mercado dizimado pela pirataria), os ecos do debate sobre a circulação gratuita de canções pela internet batem forte. O mais recente assalto contrapôs veteranos artistas britânicos como Radiohead e Pink Floyd (reunidos na organização Featured Artists Coalition) e jovens talentos como Lily Allen, James Blunt e o grupo Muse. Os primeiros pregam a não-interferência do governo e gravadoras sobre a troca de arquivos musicais entre internautas. Os outros pensam o contrário e exigem que os usuários de programas como Bit Torrent, eMule e Soulseek – usados para compartilhar mp3 de um computador para o outro – sejam penalizados criminalmente. O que está mudando? Quando gigantes como o Pink Floyd não se importam que sua obra circule sem restrições, isso significa a separação final entre a música em si e a indústria que a vende (ou vendia)? E no Brasil, onde a inclusão digital galopa velozmente, como vai se passar a olhar o mp3 – como pirataria pura e simples ou instrumento mercadológico legítimo?

Quem ganha, quem perde

O produtor musical Liminha encara de frente a questão. Diz que o mp3 sem pagamento é um mal a ser extirpado.

Baixar música de graça é deixar de pagar toda uma cadeia de profissionais, desde o artista até o cara que faz cartaz. Não pode existir – decreta. – Você está, sim, ferrando o compositor, o intérprete e o músico. Isso é pirataria e roubo. É o mesmo que entrar no mercado, pegar um produto e sair correndo.

Lucio Maia, guitarrista da banda Nação Zumbi, tem posição semelhante. O mais recente álbum da banda, Fome de tudo, teve suas músicas divulgadas (“vazadas”) na internet antes mesmo do CD chegar às lojas, no fim de 2007.

É complicado tomar uma posição unilateral em relação à troca de músicas pela internet. O artista fica no meio do jogo, do lado do fã ou da gravadora – destaca.

Ao mesmo tempo em que reconhece o download ilegal como forma de divulgar as bandas, reforça que os artistas são diretamente prejudicados quando não recebem pelas músicas disponibilizadas sem autorização no ambiente virtual.

Com o download gratuito, a gravadora não recolhe o dinheiro injetado no disco. E decide não gastar dinheiro em um disco novo. Aconteceu com nossa gravadora, a Deckdisc, em 2007. O disco caiu na internet antes do lançamento e prejudicou muito as vendas.

Radical, o guitarrista põe segurança no argumento de que o download gratuito tem seus dias contados. Ainda que restem muitos dias à frente.

Em breve vai ser muito complicado baixar música de graça. Em países que agem com mais firmeza, a pirataria já é bastante controlada. Mas sempre vai existir de uma forma ou de outra. Não vai ser fácil.

Integrante dos Los Hermanos, o tecladista Bruno Medina mostra-se mais resignado. Ventura (2003), terceiro trabalho dos LH, também caiu na rede antes de chegar às lojas – possivelmente, o primeiro caso do tipo na história da música brasileira. Ele assume posição mais liberal do que a de Lucio Maia:

Criminalizar o usuário é uma medida absolutamente estúpida. Entramos e nos estabelecemos no mercado num momento de transição. Não temos controle e não há muito que ser feito para impedir a troca de músicas. Sei que isso fere interesses inerentes aos artistas, mas temos que nos adequar a uma nova era.

Como exemplo de uma mudança favorável aos negócios desenvolvidos e vinculados à internet, o músico cita o anúncio feito na Inglaterra de que as verbas de publicidade para a internet ultrapassaram, pela primeira vez, os valores destinados à TV.

É algo que, no Brasil, ainda é impensável. Mas é um processo que cresce aos poucos – acredita Medina. – A Inglaterra e os EUA mostram que o dinheiro ruma para a web.

Medina ainda aponta que algumas particularidades locais impedem a decolagem do download pago por aqui.

É uma realidade nos EUA a compra de arquivos via iTunes. A Apple tem o seu negócio consolidado, mas ainda não conseguiu entrar no Brasil porque a carga tributária sobre o mp3 inviabiliza o sucesso do negócio.

Na Inglaterra, o governo decidiu (através do ministro de Negócios do Reino Unido, Peter Mandelson), sem a necessidade de processo judicial, bloquear o acesso à internet de usuários que, por seguidas vezes, violarem a lei, baixando músicas de sites de compartilhamento de arquivos na internet sem pagar. As propostas, divulgadas em agosto, incluem: exigir que provedores de acesso à rede ajam contra indivíduos reincidentes, reduzir a velocidade das conexões, ou até suspender temporariamente o acesso à internet.

Diretor executivo da loja virtual iMúsica, pioneira do download legalizado no país, Felippe Llerena contrapõe duas visões da questão:

O direito de ir e vir, no caso de acessar a internet, é prioridade. Não se deve restringir a liberdade – destaca. – Por outro lado, vemos um abuso completo da propriedade intelectual alimentado por uma geração que não foi educada a pagar pelo consumo de música. É preciso conciliar os interesses e gerar receita para toda a cadeia.

O produtor Bruno Levinson condena a decisão da justiça britânica. Diretor de programação da MPB FM e idealizador do Festival Humaitá Pra Peixe, dedicado a apresentar novos talentos do cenário independente, Levinson propõe outros argumentos. E acredita que, ao longo dos anos, uma nova cultura e relação entre o público consumidor e a música disponível na internet já foi estabelecida.

Assim como existem muitas outras leis fadadas ao fracasso, essa é mais uma delas. Qualquer país do mundo que decida por uma legislação que proíba o download vai, ao mesmo tempo, condenar essa lei a não pegar. Não adianta prender ou penalizar uma pessoa e causar estardalhaço. E o que é que vão fazer com os outros milhões que continuam a baixar? Não vai ter cadeia para tanta gente.

Levinson viu seu trabalho como garimpador de novos talentos ter possibilidades multiplicadas pela circulação livre de mp3.

Recebo muitos arquivos de bandas, que usam a internet como principal meio de divulgação. É uma luta inglória discutir se deve-se ou não proibir e criminalizar quem baixa música na internet. O público já incorporou esse hábito. É perda de tempo. Ainda mais quando quem fala é a Lily Allen, que fez sua carreira graças ao poder da internet. Todo mundo vai baixar, de um jeito ou outro.

Felippe Llerena concorda que, aos olhos do público, o caminho para um novo modelo de mercado fonográfico parece estar travado. Mas sinaliza que novas oportunidades de negócio não param de surgir.

Vivemos uma espécie de guerrilha, na qual não há mais uma regra ou posicionamento que sirva aos interesses de todos os artistas a um só tempo – diz. – Cabe a nós, da indústria, encontrar um modelo sedutor o bastante para o público. Para que ele possa pagar, sem sentir, pelo conteúdo que tem acesso. Criar um sistema que gere publicidade, entre outras receitas que possam remunerar a todos.

Luis Felipe Reis, Jornal do Brasil

* Colaborou Taís Toti

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