Depois que Oswald de Andrade transformou a antropofagia em doutrina estética, social e política com o “Manifesto Antropofágico”, fica até difícil lembrar que a palavra tinha um significado bastante real para os primeiros colonizadores brasileiros.
Se hoje “só a antropofagia nos une”, entre os primeiros habitantes do Brasil era justamente o contrário. Porém, não se pode dizer que os tupis comiam carne humana para matar a fome.
Estudos recentes confirmam a tese de que a antropofagia era ritualística. O pesquisador Abguar Bastos, em seu livro “A Pantofagia ou as Estranhas Práticas Alimentares na Selva”, demonstra, a partir de relatos, que o canibalismo acontecia por vingança ou como forma de adquirir os poderes dos inimigos.
Essa tese tinha sido desenvolvida nos relatos dos primeiros viajantes que aportaram no Brasil.
O alemão Hans Staden (1525?-1576?) _aprisionado pelos tupinambás por ajudar os rivais tupiniquins e os portugueses, após ter naufragado próximo à costa paulista_ deixa claro os motivos ritualísticos que levaram ao canibalismo. Ele diz que a antropofagia não era feita “por fome, mas por grande ódio ou inveja e quando nas guerras combatiam”.
A descrição dos rituais que Staden presenciou no cativeiro mostram como as vítimas eram festejadas e honradas antes de serem mortas e comidas.
O inimigo era alimentado, enfeitado e recebia uma mulher. Tribos amigas eram convidadas para a ceia e participavam da festa que precedia a execução. No dia marcado, matavam o inimigo com um golpe na nuca e depois o esfolavam e dividiam. As mulheres cozinhavam a cabeça e as vísceras para dar às crianças, em forma de mingau. Os homens ficavam com pedaços do corpo.
O viajante calvinista francês Jean de Lery (1534-1611) se espantou com a dieta de outra tribo da região: “Esses diabólicos goitacazes, invencíveis na região que ocupam, devoradores de carne humana como se fossem cães ou lobos, falando uma linguagem não entendida dos vizinhos, devem ser tidos entre os mais bárbaros, cruéis e terríveis povos que existem em toda a Índia Ocidental”.