A ministra Ana de Hollanda completou 90 dias de Ministério da Cultura (MinC) num cenário de crise e polêmicas pautadas por questões como direitos autorais, convites seguidos de demissões, ataques por conta da Lei Rouanet e uma mudança nos rumos da política cultural. Se Dilma Rousseff representa a continuidade de Lula, Ana está longe de manter a linha da gestão passada. Ainda que a turma do ex-presidente no MinC estivesse em sintonia com as ideias de governo para a política cultural, a irmã de Chico Buarque já acenou que não seguirá o mesmo caminho.
Ana de Hollanda não fala sobre casos específicos. Só responde sobre direitos autorais quando pressionada em aparições durante eventos públicos e concorda em conceder entrevistas somente sobre temas que não estejam na pauta das polêmicas. O fato é que as opiniões sobre os primeiros três meses de governo ficaram polarizadas em grupos contra ou a favor. Para Antonio Grassi, presidente da Funarte, que teria sido um dos articuladores da indicação do nome de Ana para a cultura, as polêmicas não são nada diferentes do que aconteceu no início da gestão de Gilberto Gil, em 2002.
Grassi participou da concepção da política cultural inserida no programa das primeiras eleições de Lula e lembra de como a própria indicação de Gil foi alvo de polêmica. “Mas agora sinto que o processo está muito radicalizado, não sei se porque foi um processo eleitoral muito radicalizado ou se foi a própria mudança no MinC, onde havia movimentos para permanência do antigo ministro (Juca Ferreira). Acho importante que a pasta consiga ter uma visão acima dessas discussões, que consiga ter tranquilidade de maneira a não estar se misturando a essas discussões”, defende. “Não existe crise, existe um clima de polêmica.”
Ana de Hollanda já recebeu chamada do Palácio do Planalto para se livrar da “agenda negativa”. Também foi acusada de “autista” por Emir Sader, que foi convidado para assumir a Fundação Casa de Rui Barbosa, mas foi desconvidado em seguida ao comentário. Para piorar, Ana soltou algumas declarações infelizes que acirraram as discussões, como as afirmativas de que não iria ler o anteprojeto da Lei de Direito Autoral, retirado da Casa Civil porque isso seria função dos técnicos e de que não gostava da Lei Rouanet. (por Nahima Maciel, do Correio Braziliense)
Pontos de cultura
Sem conseguir se livrar de polêmicas neste início de governo, o Ministério da Cultura (MinC) deixou a defensiva. A ordem é rever convênios e acelerar o processo para quitar dívidas e compromissos assumidos na época em que a pasta era comandada por Juca Ferreira. O secretário-executivo da Cultura, Vitor Ortiz, insiste que a decisão demonstra que a ministra Ana de Hollanda representa a continuidade e não o rompimento. Segundo ele, as críticas que se acumularam em menos de três meses de trabalho são frutos de ansiedades desnecessárias.
“Estamos afirmando que daremos continuidade a todas essas políticas, inclusive vamos cumprir compromissos que não foram honrados”, afirmou o secretário-executivo em entrevista ao Correio. Segundo ele, o MinC vai retomar editais abertos no programa Procultura que tiveram prazos postergados. “E colocar em dia o programa Cultura Viva, além das demais pendências que foram assumidas”, emendou Ortiz. A pasta pretende quitar neste mês pagamentos de convênios aprovados, mas pendentes. Tem chamado esse movimento de “processo de regularização” do Cultura Viva. Além disso, diz estar quitando dívidas com os pontos de cultura com estados e prefeituras. Estão sendo destinados a São Paulo, por exemplo, RS $ 3 milhões. A dívida deixada pela gestão anterior será saldada, segundo a pasta, até novembro.
O secretário-executivo afirmou que os desembolsos só saem para convênios regulares. Ele evitou detalhar qual tipo de reavaliação será feita nos compromissos assumidos pela pasta. “Pode haver a exigência de reavaliação de algum programa, projeto ou convênio. Isso é natural, caso o convênio tenha algum tipo de questionamento”, afirmou.
Discriminação
Antes mesmo de completar três meses à frente do cargo, Ana de Hollanda acumula polêmicas. A última dela foi a permissão, graças à Lei Rouanet, dada a Maria Bethânia de captar R$ 1,3 milhão junto à iniciativa privada (por meio de renúncia fiscal, dinheiro que iria aos cofres públicos) para criar um blog. O ministério esquivou-se da polêmica dizendo que o projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic). E disse que a decisão foi descentralizada — numa tentativa de tirar o foco da ministra — por um grupo de artistas, empresários e outros representantes da sociedade civil. “Esta aprovação, que seguiu estritamente a legislação, não garante, apenas autoriza a captação de recursos junto à sociedade. Os critérios da Cnic são técnicos e jurídicos; assim, rejeitar um proponente pelo fato de ser famoso, ou não, configuraria óbvia e insustentável discriminação”, afirmou a pasta em nota.
Sobre a questão dos direitos autorais, Ortiz limitou-se a dizer que a briga começou porque a classe musical é mais organizada que o resto das atividades artísticas do país. “O que houve foi uma precipitação de insegurança e de ansiedade e isso existe dos dois lados, principalmente dos que temem perder direitos, como compositores, autores e outros artistas, que vivem de direito autoral. A reformulação da lei está relacionada com a mudança de tecnologia, como internet”, afirmou. O secretário-executivo disse ser favorável a uma mudança no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e à diminuição do repasse para os artistas para baratear o acesso a conteúdo na internet. “Entendemos que existe um debate sobre a questão do acesso que precisa ser melhor esclarecido no âmbito de uma nova lei de direitos autorais para que se possa consensuar as partes. O ideal é buscar a flexibilização dos direitos autorais para ampliar o acesso a conteúdos criativos na internet”, afirmou Ortiz. (por Tiago Pariz e Leonardo Santos, do Correio Braziliense)
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