Gralha Azul em crise

gralhaazulArtistas paranaenses se reúnem para repensar a mais tradicional premiação do teatro do Paraná, que perdeu representatividade nos últimos anos. Qual a importância do Troféu Gralha Azul para o teatro paranaense? Nenhuma outra iniciativa no estado traz reconhecimento e se traduz em dinheiro, além de premiar o melhor espetáculo com uma temporada em cartaz. Mas o prêmio está em crise, na avaliação dos artistas consultados pela reportagem. A boa notícia é que há gente interessada em reestruturá-lo.

A crítica que mais se ouve diz respeito ao pequeno universo de espetáculos (e artistas) contemplados. “O que acontece com essa comissão que tem uma limitação de enxergar o que está sendo feito? Isso me parece um problema”, diz Suely Araújo, diretora da CiaSenhas, que este ano concorre por Homem Piano na categoria melhor ator (Luiz Bertazzo).

 

Edição 2010

Conheça os principais concorrentes ao Gralha Azul. Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, e Metaformose, da Cia. Delírio, disputam melhor espetáculo.

Mais lembrados

Lendas Japonesas

7 indicações. Categorias: espetáculo para criança; direção de espetáculo para criança (Grupo Camelo); ator coadjuvante (Tiago Luz); iluminação (Anry Aider); sonoplastia (Vadeco); figurino (Paulo Vinícius); cenário (Fernando Marés).

Vida

5 indicações. Categorias: espetáculo; direção (Márcio Abreu); ator (Ranieri Gonzalez); ator coadjuvante (Rodrigo Ferrarini); texto (Márcio Abreu).

Sobrevoar

5 indicações. Categorias: espetáculo para criança; direção de espetáculo para criança (Cia. do Abração); sonoplastia (Karla Izidro); figurino (Maureen Miranda); cenário (Marcelo Scalzo e Blas Torres).

Metaformose

5 indicações. Categorias: espetáculo; direção (Edson Bueno); ator (Tiago Luz); iluminação (Beto Bruel); cenário (Alfredo Gomes).

Habituê

4 indicações. Categorias: ator (Otávio Linhares); atriz coadjuvante (Maia Piva); revelação (Alexandre França, como diretor); texto (Alexandre França).

Júri

A comissão julgadora deste ano é formada por Christiane de Macedo, Vitória Arabela Sahão, Babiana Gomes Porrat Reiner (indicadas pelo Teatro Guaíra), Eloá Petreca (indicada do Sated/PR) e Sinval Ferreira Martins (indicado do Seped/PR). Eles votaram entre 38 espetáculos inscritos.

Premiação

A entrega dos troféus será realizada no dia 15 de dezembro, às 20h30, no Guairinha, com entrada franca.

“Existem pessoas que estão todos os anos na comissão e não fazem parte das discussões sobre teatro, nem veem teatro. Parece haver um modelo estabelecido de teatro moderno bem feitinho, fechado na caixa preta, que deixa todos os outros tipos de trabalho invisiveis. O prêmio acaba en­­trando em decadência e perdendo a credibilidade. Deveria ser uma coisa instigante”, argumenta Suely.

Como ela, outros artistas entrevistados fizeram objeções ao modelo atual, entre eles, os diretores Marcos Damaceno, Nena Inoue, Giovana Soar e Giórgia Conceição e as juradas Christiane de Macedo e Bia Reiner. Edson Bueno é voz dissonante. O premiado diretor, indicado por Metaformose, diz achar que o Gralha não representa, nem deveria representar, todo o movimento artístico, e cita o cinema norte-americano, que “tem prêmios para os filmes indies (porque sa­­bem que nunca terão espaço no Oscar), para os filmes sobre e feitos por negros, para os piores do ano. Tratam tudo com a superficialidade que o tema merece.”

Jurados

A raiz do problema está na formação da comissão julgadora. O regulamento exige que o jurado não esteja envolvido em qualquer montagem daquele ano. Paradoxalmente, o ideal é que seja alguém atuante em teatro. “A composição fica cada vez mais limitada. Quem está na ativa tem de abrir mão e quem não está, não está há muito tempo”, pondera a diretora Nena Inoue.

Produtora do Teatro Guaíra e uma das juradas, Bia Reiner explica que o teatro indica três jurados, o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos (Sated/PR) indica o quarto e o Sindicato de Empresários e Produtores de Espetáculos (Seped/PR), o quinto. “Principalmente para o Sated, é complicado indicar alguém. Jane d’Avila (vice-presicente do sindicato) e Annunciada Oswald (funcionária) foram muitas vezes escolhidas.”

Magno Mikosz, secretário do Sated, esclarece que o sindicato escolhe seu representante após uma assembleia geral, na qual a classe artística vota. Ele defende que a pessoa esteja desligada de montagens daquele ano “para ter julgamento isento” e que não precisa ser atuante na área. “O espectador tem condição de avaliar. A gente faz para quem o espetáculo?”, questiona.

Mudança

Esta 31.ª edição parece começar a se opor à lógica dominante. Giór­­gia Conceição, da Cia. Si­­lenciosa, avalia que as indicações deste ano abrangem trabalhos de artistas que não costumam ser lembrados. “Como o nosso (Rebeca concorre a melhor texto, escrito por Leo Glück) e da Cândida Monte (diretora de En­­garrafados, pelo qual Talita Dal­­lmann disputa melhor atriz)”, cita.

“Qualitativamente, os indicados deste último Gralha foram melhores”, comenta Bia Reiner. “Sempre os mesmos ganhavam. Não adianta dar prêmio por renome.”

Essa arejada, ainda que tímida, teria vindo de jurados que circulam mais pela cena teatral, como a própria Bia e a atriz Christiane de Macedo. “Sou uma atriz bastante atuante, diretora e produtora. Acho que fiz um trabalho dedicado, porque a mim interessa demais que esse prêmio estimule a classe. Muitas vezes os integrantes da comissão julgadora não são do metiê, não sabem discernir texto de autor ou criação coletiva”, opina Crhistine.

Os cinco integrantes tiveram de assistir aos 38 espetáculos inscritos. A cada dois meses, se reuniam para analisá-los. Ao fim, somente os trabalhos indicados por três ou mais deles entraram em votação.

Proposta

Descontente com o modelo atual, a diretora Giovana Soar, da Cia. Brasileira de Teatro (que concorre com Vida), tomou a iniciativa “muito pessoal” de convidar Edson Bueno, Beto Bruel, Chico Nogueira e Maurício Vogue para uma conversa séria, no dia 19 de outubro, sobre como revitalizar o prêmio. “Tem uma parte de saudosismo nisso. O Gralha Azul perdeu muito do que foi nos anos 90 e 80”, diz. “Estamos pensando em como uma reestruturação pode ser viável, sem desestabilizar nenhuma estrutura. O Gralha precisa de fôlego e de envolvimento.”

Seu foco é repensar a comissão. Para isso, Giovana estudou outras formas de premiação no país. Um dos caminhos seria aumentar a quantidade de jurados. Christiane também acredita que uma comissão maior e mais diversa seria mais justa ao tomar decisões difíceis como quem é o “melhor” ator.

O regulamento do Prêmio Shell impede os jurados de votar em espetáculos do qual tenham participado. Seria uma saída. Contudo, a preocupação de Bia Reiner é que os afetos e desafetos interfiram na imparcialidade da votação, como no caso do artista votar em um colega não pela montagem que fizeram juntos, mas por uma outra.

“Esperamos, com a nova gestão, ampliar o debate e resgatar um pouco do troféu”, diz Bia Reiner. Enquanto isso, Giovana Soar e os colegas pensam em soluções.

 

Aqui a publicação da Gazeta do Povo

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