“Geniosa”, “exigente” e “kamikaze”, Elis Regina morria há 34 anos

elisNa manhã de 19 de janeiro de 1982, Elis Regina foi encontrada caída no chão de seu apartamento no Jardim Paulista, bairro nobre de São Paulo, pelo então namorado, o advogado Samuel MacDowell. Levada ao vizinho Hospital das Clínicas, já chegou sem vida. A causa da morte: uma mistura letal de cocaína e álcool. Ela tinha apenas 36 anos.

Na época, os familiares de Elis contestaram o laudo médico, na tentativa de proteger sua imagem. “Ela foi vítima de uma overdose. Não há mistério. Não há polêmica”, afirma Regina Echeverria, amiga da cantora e autora da biografia “Furacão Elis”. “Eu sei que a família não gosta de discutir esse assunto. Mas não podemos mentir sobre a morte dela”.

Ouça músicas de Elis Regina

Agência O Globo

Elis Regina em julho de 1981

Na noite anterior à sua morte, Elis e MacDowell haviam recebido amigos no apartamento da rua Melo Alves. Os convidados saíram por volta das 21h e MacDowell, algumas horas depois – Elis queria ficar sozinha para ouvir músicas do disco que se preparava para gravar. Mais tarde, ela e o namorado ainda conversaram rapidamente por telefone.

Na manhã seguinte, eles voltaram a falar por telefone. Ao final da conversa, MacDowell preocupou-se porque Elis começou a dizer palavras ininteligíveis. Pegou um táxi para o apartamento e só conseguiu encontrar Elis depois de arrombar duas portas – ela estava trancada no quarto. Após tentativas frustradas de reanimar a cantora e chamar uma ambulância, decidiu levá-la ao hospital de táxi.

 

AE

Corpo de Elis Regina é velado no Teatro Bandeirantes

O resultado da autópsia, apontando a mistura de cocaína e álcool como causa da morte, veio dois dias depois. “Foi um choque porque a Elis era preconceituosa com drogas. Ela usou por um período curto e intenso”, conta Regina Echeverria. Seu corpo foi velado no Teatro Bandeirantes, em São Paulo, mesmo local em que havia apresentado seu show mais marcante, “Falso Brilhante”, entre 1975 e 1977.

Terminava assim a vida daquela que, havia quase duas décadas, era considerada a maior cantora do Brasil.

Nascida em 17 de março de 1945 em Porto Alegre, Elis Regina Carvalho Costa começou a cantar aos 11 anos, em programas de rádio. Entre 1961 e 1963, lançou quatro discos, mas só começou a fazer sucesso quando deixou o Rio Grande do Sul, em 1964.

No ano seguinte, veio o estouro nacional: interpretando “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, Elis venceu o primeiro Festival de Música Popular Brasileira. Foi convidada por Solano Ribeiro, diretor do evento. Ele a viu pela primeira vez no lendário Beco das Garrafas, principal palco da bossa nova no Rio de Janeiro. “Foi uma coisa impactante”, lembra.

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Solano desmente a lenda de que Elis era uma completa desconhecida antes daquele festival. “Ela já fazia muitos shows em São Paulo e no Rio e também fazia bastante sucesso com [a música] ‘Menino das Laranjas’. Foi absolutamente natural que ela cantasse no festival”, explica. “Como ela já vinha cantando músicas do Edu Lobo, achei que ela se sairia muito bem com ‘Arrastão’.”

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Elis Regina em 1981

Saiu-se tão bem que ganhou o primeiro lugar. Ganhou também o maldoso apelido de “eliscóptero”, por cantar balançando os braços. Até o final dos anos 1960, participou de mais cinco festivais, quatro como intérprete e uma como integrante do júri. Em 1967, ganhou o prêmio de melhor intérprete, com “O Cantador”. Em 1968, venceu a primeira Bienal do Samba, com “Lapinha”.

Nessa mesma época, liderou uma passeata contra a presença de guitarras na música brasileira. Pouco depois, gravou uma série de discos cheios de guitarras. No começo dos anos 1970, cantou o hino nacional nas comemorações dos 160 anos da Independência do Brasil capitaneadas pela ditadura militar. Nos anos seguintes, deu voz a músicas que criticavam essa mesma ditadura.

Gênio Forte

Contraditória? Elis era assim. Sua personalidade misturava coragem e insegurança em doses iguais. “Ela se arriscava sem medo”, recorda Guilherme Arantes. Ele e Elis tiveram um curto romance no início dos anos 1980, após a cantora terminar seu casamento com o músico Cesar Camargo Mariano. “Foi uma época conturbada. Ela tinha acabado de se separar, eu também. Não era o momento”, diz.

Sua coragem se manifestava, por exemplo, nas apostas em compositores até então desconhecidos (Milton Nascimento e João Bosco são dois exemplos) e na decisão de ter total controle sobre sua carreira. “É preciso contextualizar. Na época, ainda havia muito preconceito contra as mulheres. Os executivos das gravadoras eram extremamente machistas. E ela combatia tudo isso”, explica Guilherme.

Solano Ribeiro define assim a personalidade de Elis: “Ela não se conformava”. Daí vêm as incontáveis histórias sobre o gênio forte da cantora, que lhe valeram o apelido de “Pimentinha”. “Você realmente não podia pisar no calo dela”, reconhece Regina Echeverria. Para Renato Teixeira, de quem Elis gravou “Romaria”, a fama é injusta. “Ela só brigava quando tinha um bom motivo”, diz.

Insegurança

Muito da imagem de briguenta vinha de pura insegurança. Elis era competitiva (“Ela não admitia estar em segundo lugar”, define Solano Ribeiro) e, por isso, vivia em constante receio de não ser a melhor. Daí vinha a possessividade com compositores e músicos – o baterista Dudu Portes, por exemplo, lembra que Elis proibia que sua banda tocasse com outros artistas, em especial cantoras.

Talvez a melhor forma de definir Elis Regina seja através de frases da própria Elis Regina. “Morro de medo. Faço todos os espetáculos me borrando de medo. Todos os dias”, disse certa vez. Em outra oportunidade, afirmou: “Se ser geniosa, exigente e não gostar de ser passada para trás é ser mau caráter, então eu sou”. Ou então: “Sempre vou viver como kamikaze. Isso me faz ficar de pé.”

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