Músicas de todas as épocas para contar histórias e refletir sobre a política brasileira desde a Proclamação da República. Da irreverência do teatro de revista à crítica social dos rappers, mais de mil canções foram pesquisadas pelo jornalista Franklin Martins para a trilogia literária ‘Quem Foi Que Inventou o Brasil — A Música Popular Conta a História’ (Ed. Nova Fronteira, 624 págs., R$ 68,90 cada).
O título do projeto é baseado em marchinha de Lamartine Babo que fez sucesso no Carnaval de 1934, e os dois primeiros volumes foram lançados ontem na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Ao lado dos livros, foi inaugurada a exposição ‘A Música Canta a República’, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, também na capital paulista. A mostra viajará em seguida para o Rio e Brasília.
“Comecei por acaso, divulgando músicas em meu site, além de trechos gravados de discursos de políticos como Getúlio Vargas e Carlos Lacerda. Era um hobby e depois virou cachaça. E agora vieram livros, site e exposição”, diz Franklin.
Ele passou a ter contato com pesquisadores diversos, e o projeto ganhou forma com o acesso a arquivos virtuais como os do Instituto Moreira Salles e da Fundação Joaquim Nabuco. O primeiro livro trata do início da República, em 1889, até o Golpe de 1964. O segundo, da resistência à ditadura até a redemocratização, em 1985. O terceiro volume vai até 2002, com a eleição do presidente Lula. Na seleção musical, o autor optou pelas músicas compostas no calor dos fatos.
A primeira escolhida, ‘As Laranjas da Sabina’, é letra do dramaturgo Arthur Azevedo sobre manifestação de estudantes contra a proibição a uma mulata de armar sua banca de frutas na porta da Universidade de Medicina do Rio.
Momentos como a entrada do Brasil na Segunda Guerra e a Revolução de 1930 também são retratados, com a presença de personagens internacionais como Hitler. É o caso da marchinha ‘A Cara do Führer’, cantada por Isaura Garcia. Letras do período exaltam a figura do trabalhador em relação ao malandro, e a política do governo Vargas.
Sobre a época da ditadura, o jornalista destaca as canções de protesto do começo dos anos 1960. Ele cita as letras de duplo sentido usadas para driblar os censores com o aperto da repressão, a partir de 1968.
“Existem também músicas que não foram compostas com o intuito de serem políticas, mas ganharam essa conotação pela interpretação dada pelos ouvintes e o público quando foram gravadas”, comenta.
Ele cita o exemplo de ‘Meu Pequeno Amigo’, que fazia referência ao desaparecimento do menino Carlinhos, em 1973, no Rio. “A letra falava desse caso que chocou o Brasil, mas podia ser cantada também como uma denúncia dos desaparecimento de militantes que se opunham ao regime ditatorial”, conta.
Uma das descobertas foi a presença de letras políticas em quase todos os ritmos, inclusive a música caipira. “Só a Bossa Nova não tratou do tema, por ter durado pouco, mas alguns de seu expoentes, como Carlinhos Lyra, Vinicius de Moraes e Sérgio Ricardo, compuseram letras com esse conteúdo”, diz.
Franklin Martins destaca também a importância da música dos guetos nos anos 1990, como o rap, o funk e o samba-reggae. “O rock dos anos 1980 falava muito de liberdade e injustiça social, depois a música de classe média entra em desalento. É quando surge uma música que retrata uma revolta daqueles cansados de sofrer a exclusão social e violência policial. Descreve o movimento que leva à vitória do Lula em 2002”, analisa.
Parte do material presente nos livros e na exposição pode ser conferida no site www.quemfoiqueinventouobrasil.com
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