Tradição do frango capão teria começado em Roma, ainda antes de Cristo
O Natal é uma ocasião enriquecedora para a maioria das famílias que comemoram o nascimento de Jesus Cristo trocando presentes e estreitando laços de convivência. Menos para a da galinha. A principal contribuição da ave à festa – o frango capão, animal do sexo masculino castrado e alimentado de maneira especial – desapareceu de muitas cidades do Brasil.
A tradição de saborear essa herança européia já vinha se perdendo. Mas, ao contrário dos anos anteriores, às vésperas do Natal passado era praticamente impossível encontrar frango capão nos mercados da cidade. As grandes indústrias de aves não se interessam por ele. Preferem vender peru e aves selecionadas geneticamente. Que pena! Assado com esmero e recheado com fartura, o frango capão é prato para talheres de ouro. Os glutões, porém, comem-no com as mãos e lambem os dedos.
Diz-se que a especialidade foi descoberta por acaso. No período republicano da história de Roma, dois cônsules eleitos anualmente exerciam o poder executivo. Tinham o direito de convocar o senado e os comícios, comandavam o exército e faziam acordos internacionais. Um desses cônsules, Caio, nascido em 19. a.C., era grande dorminhoco. Irritado com os galos barulhentos que o acordavam de madrugada, fez o senado aprovar uma lei banindo a ave de Roma.
Mas os criadores descobriram um jeito de contornar a interdição: castraram os galos.
Desvirilizados, eles pararam de cantar e de se interessar pelas fêmeas. Até escondiam a cabeça sob a asa diante de galinhas fogosas. Para consolar a perda da função, começaram a se alimentar compulsivamente e a engordar bastante. Ao serem abatidos, mostraram-se iguarias sublimes. Os romanos descobriram que quanto mais cedo fosse realizada a castração, melhor seria o sabor da carne.
Nordeste – Em algumas regiões de Portugal e da Itália, em quase toda a Espanha, o frango capão ainda é obrigatório no Natal. No Brasil, o costume subsiste no interior do Nordeste. As técnicas de produção se assemelham. Castra-se o frango aos 60 ou 70 dias, para consumi-lo sete a oito meses depois. A ave engorda dentro de gaiolas, superalimentada com milho, gemas de ovos e castanhas cozidas.
Numa crônica inspirada sobre o frango capão, publicada no Livro de Comer Bem, de 1987, o jornalista José Quitério, respeitado crítico gastronômico de Portugal, conta que no seu país a dieta inclui um cálice ocasional de vinho doce. Em Freamunde, localidade de apenas 2 mil habitantes, perto do Porto, realiza-se a 13 de dezembro a feira anual do frango capão. A tradição vem do tempo de d. João V, o rei que subiu ao trono em 1706 e enfrentou o ataque dos franceses ao Brasil. Na Itália, o evento ocorre na mesma época, nas regiões da Emília-Romanha, Toscana e Vêneto. Na Espanha, acontece a 19 de dezembro, na comarca de Lugo, região da Galícia.
A castração favorece o aumento da gordura superficial e intramuscular. Aos 7 ou 8 meses, a ave pesa entre 2,5 e 4 quilos. É quando merece o pódio culinário. A carne se apresenta macia e delicada. “Do frango capão a perna e da galinha caipira o peito”, diz o provérbio popular. Excelente assado, com ou sem recheio, coleciona apreciadores famosos. Camilo Castelo Branco, genial novelista português, autor de Amor de Perdição (1862), aconselhava-o ligeiramente flambado com aguardente velha e conduzido à mesa com a pele estaladiça. Talvez o preferisse assim porque não o conhecia à brasileira: assado no forno com o corpo repleto de farofa de miúdos e decorado com fatias de abacaxi grelhado. Na Itália, o frango capão se harmoniza com a picante mostarda de Cremona. Também costuma ser assado. Na Emília-Romanha, porém, é cozido em água para fazer sopa de cappelletti. O frango capão ideal tem as esporas curtas, sinal de que não passou da idade. A gordura é abundante, visível sob a pele, distribuída em camadas regulares, sinal de que a engorda não foi forçada.
Clã – Sua progressiva extinção no Brasil coincide com a desagregação do mais importante clã galináceo. José Quitério detectou o mesmo fenômeno em Portugal. Antigamente, tínhamos o galo e a galinha, o frango e a franga. Eram aves criadas soltas no quintal, que ciscavam à vontade. Comiam milho, verduras, frutas, pasto, sementes, minhocas e bichinhos que lhe apeteciam. Cada uma possuía sua destinação culinária.
Tornavam-se preciosas depois do preparo enriquecedor na panela, forno ou grelha. Hoje precisamos empreender longa expedição para encontrar um galo velho destinado ao coq-au-vin. Poucos lugares vendem galinha caipira para a soberana canja.
O mercado foi invadido por frangos produzidos em aviários gigantescos, à base de ração balanceada cientificamente. Tornam-se bonitos e atraentes.
Alimentam milhões de brasileiros. Exportados, garantem-nos divisas. Já foram referência para a estabilidade do Plano Real. Figuraram até em discursos presidenciais. Mas sua carne apresenta textura e sabor discutíveis. Fica aqui uma sugestão às indústrias de aves. Por que não experimentar vender frango capão no próximo Natal?
1 frango capão de cerca de 2 quilos limpo, com os miúdos
150 gramas de castanhas portuguesas
1 maço pequeno de ervas mistas (sálvia, alecrim, louro)
300 gramas de carne de vitelo moída
sal e pimenta-do-reino a gosto
100 gramas de presunto
100 gramas de toucinho
200 gramas de lingüiça
vinho branco seco
1 dente de alho
1 litro de leite
1 folha de louro
azeite de oliva
conhaque
manteiga
1 ovo
Como Preparar
Deixar as castanhas de molho por cerca de 2 horas.
Picar finamente metade das ervas aromáticas com o alho.
Colocar numa tigela e adicionar sal e pimenta-do-reino.
Temperar o frango com essa mistura, pincelar a parte interna com o conhaque, cobrir com alumínio e deixar descansar por 2 horas na geladeira. Numa panela, cozinhe as castanhas por poucos minutos no leite.
Juntar o louro e 1 pitada de sal e deixar ferver.
Em seguida, escorrer, transferir para uma tigela e amassar as castanhas com um garfo. Picar bem o presunto, o toucinho e os miúdos e juntar às castanhas.
Acrescentar a linguiça esmigalhada, a carne moída, o ovo, sal e pimenta-do-reino. Misturar bem e rechear o frango.
Costurar a abertura com linha de cozinha, dobrar para dentro a pele do pescoço, junte e amarre com um barbante de cozinha as coxas e as asas, deixando-as próximas ao corpo.
Refogue o frango em um pouco de azeite numa panela que possa ir ao forno, temperar com sal e pimenta-do-reino, distribuir por cima a manteiga picada, principalmente no peito do frango, e levar ao forno médio, preaquecido, por 1 hora e 45 minutos, ou até ficar macio, regando de vez em quando com um pouco de vinho e com o caldo de cozimento. Não virar o frango e prestar atenção para não desmanchar a carne.
Colocar à parte o frango, acrescentar um pouco de vinho ao caldo de cozimento e levar ao fogo alto, mexendo com uma colher.
Em seguida, adicionar 1 colher (sopa) de manteiga e as ervas restantes picadas.
Eliminar a costura do frango e servir com o moIho à parte.
Acompanhar com batatas pequenas précozidas, enroladas em bacon e assadas.
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