Filme faz leitura atual do Tropicalismo, com toques digitais

Refletir o movimento tropicalista a partir do momento atual em que o Brasil vive. Por meio de depoimentos, esquetes musicais, performances e também ficção, Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now resgata tropicália de um modo diferente. Concorrente ao Kikito de longa-metragem brasileiro, o filme de Ninho Moraes e Francisco César Filho foi exibido no domingo (12), no 40º Festival de Cinema de Gramado.

 

A própria estética do filme é intimamente ligada à filosofia sincretista do movimento. Uma miscelânea de depoimentos e apresentações musicais se completa com referências à cultura digital, a ponto que, em certos momentos, surge a sensação de que é possível “clicar” na tela do cinema. Intervenções fictícias também aparecem, como quando Carlos Meceni interpreta um senhor que conversa com um passarinho, enquanto escuta na rádio discursos de Emílio Médici, presidente que assumiu o cargo durante a Ditadura Militar a abafou o Tropicalismo. “Esse filme é pra tela grande, mas acho que uma das ideias é permitir esse jogo. Se pudesse ter um ícone em que a pessoa, tocando ali, pudesse puxar as informações necessárias”, divagou Ninho em entrevista coletiva nesta segunda-feira (13).

 

O filme é datado e faz questão de pontuar em várias cenas o ano em que foi produzido, como forma de ambientar a atualidade da reflexão. “É uma visão de 2011 sobre o Tropicalismo. Daqui a 10 anos, tem que fazer outro filme”, observou também o diretor, que considera o longa-metragem um “complemento” de Tropicália, filme de Marcelo Machado que faz um panorama através de referências e entrevistas com importantes figuras da época.

 

Apesar de citar várias vezes Caetano Veloso, um dos principais representantes do movimento, a produção não traz depoimentos do cantor. De acordo com Francisco, essa decisão foi intencional, já que baiano é muito “charmoso” e roubaria a cena. “As ideias, opiniões e visões de mundo dele estão mais do que presentes no filme. Se ainda tivéssemos a figura dele, talvez seria uma overdose de Caetano Veloso, como normalmente é tudo que se refere a tropicália nesse país”, pontuou o cineasta.

 

Ninho, por sua vez, observou que convidar o músico, seria como escrever a biografia de uma pessoa viva, o que “não é recomendado”, segundo ele. No caso de Gilberto Gil, presente no longa-metragem, o diretor afirma que é diferente, por mais que ele tenha feito parte do Tropicalismo. “O Gil ali, pra mim, é muito mais o Ministro da Cultura do que o Gilberto Gil. Ele não fica só pensando no Tropicalismo, então a ideia dele como o único elemento da época que fala, é porque ele tem essa ponte. Não é mais o artista que está falando”, frisou o diretor, que gravou as cenas durante a participação do cantor no Fórum de Cultura Digital, em São Paulo, em que foi curador.

 

Desconstruindo a tropicália

 

No caso da música, não são figuras do Tropicalismo que compõem a trilha sonora. Como a ideia era retratar os reflexos do movimento nesta década, André Abujamra buscou diferentes arranjos e vozes para interpretar clássicos da época. As esquetes musicais, que aparecem soltas no filme, nasceram de um show realizado no Teatro Oficina, em São Paulo, depois de apenas um dia de ensaio geral. São oito instrumentos de corda e cinco metais, além da banda de André, que completam a sonoridade ousada. Um dos auges é a apresentação do músico e ator Alexandre Nero, que, em um discurso cantado e performático, entoa Superbacana, de Caetano Veloso.

 

Tanto Nero quanto os outros convidados usam recursos de sincretismo para interpretar as canções clássicas do Tropicalismo, como Lindonéia, de Caetano Veloso. Entre os cantores ainda estão nomes como Luiz Caldas – que aparece com sua guitarra baiana e revestido por penas -, Suzana Salles – que já tocou com Itamar Assumpção – e a voz lírica de Madalena Bernardes, que não poupa na ousadia em sua apresentação. “Tem uma coisa que Picasso falava e que eu acho que o filme funciona meio assim: eu primeiro faço, e depois eu procuro. Eu sempre faço arte assim”, disse André sobre como compôs a trilha.

 

O músico entrou no projeto quando os diretores ainda não sabiam ao certo como seria o filme. Por ser filho de Antônio Abujamra, amigo de Ninho, o músico recebeu carta branca para criar a trilha sonora. “É um filme nepotista”, brinca o diretor, que também escalou sua filha, Alice Braga, que encarna Lindonéia. “Eu acho que o bom diretor é o cara flexível. Ele (Ninho) dá liberdade pra todo mundo, e quando você vai ver o filme, está bem dirigido, por essa flexibilidade que ele tem”, pontuou André. “Graças a deus que eu sou filho do Abu e nasci um pouco louco, porque é muita responsabilidade”, divertiu-se ele sobre o desafio de criar arranjos tropicalistas com um toque atual. “Eu podia ter me ferrado loucamente, porque é muito arriscado, esse filme é muito arriscado”, completou.

 

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