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Guga Melgar/ Divulgação O quarteto de atrizes: diversidade estilística e ritmo ágil no palco do Planetário

O quarteto de atrizes: diversidade estilística e ritmo ágil no palco do Planetário

O diretor Moacir Chaves encena a palavra destituída de seu caráter teatral de origem. Ao montar espetáculos baseados em textos não especificamente escritos para o palco – Sermão da Quarta-Feira de Cinzas, de padre Antônio Vieira, e Bugiaria, processo de um tribunal da Inquisição, foram os anteriores -, Moacir imprime significados cênicos a relatos que se circunscrevem à sobriedade da escrita ou à frieza dos documentos. Em Utopia, nova investida do encenador em texto não dramatúrgico, a narrativa de Thomas Morus (1478-1535) para o estabelecimento de uma sociedade quimérica ganha contornos mais radicais na avaliação de novas possibilidades de ”teatralizar” esse tipo de palavra.

Nesta sátira às instituições inglesas do século 16 e na edificação de arquitetura social imaginária, que se contrapõem como fundamentos de realidades complementares, o diretor busca o teatral pela apropriação daquilo que escapa, a princípio, ao teatral. Os fragmentos de Utopia, cenas curtas retiradas da obra de Morus, se apresentam em seqüência, traçando um mapa desta crítica social moralizante e apontando para as variadas formas de traduzi-la cenicamente.

Já de início se criam as bases da cena. Um único texto se repete, com modos, tonalidades e ritmos marcados pelas diferentes interpretações das quatro atrizes do elenco. Sob esta perspectiva mutante – do dramático ao humorístico, do clownesco ao naturalismo – se antecipam as diversas linguagens dos trechos de Utopia que serão mostrados na encenação. A força daquilo que é dito – fala-se do tratamento dispensado aos que roubam para comer e dos castigos infligidos àqueles que cometem supostos crimes sociais – deixa em evidência os termos nos quais o espetáculo se desenvolverá. Neste primeiro quadro se fixam as variadas alternâncias de linguagem, que jogam algumas das mais ácidas críticas às mazelas sociais, seja na representação do ridículo ou no melodioso comentário de canções com letras pertinentes.

Utopia não dá tréguas a esse caudal de palavras derramadas com a contundência de um humor desconcertante que, mesmo quando se desvia com relativo exagero na exploração dessas possibilidades expressivas, não deixa de fazer pulsar as preleções do texto de Morus. Há momentos de humor mais cáustico ao tratar de falcatruas e injustiças, assim como há momentos que lembram temas atualíssimos: do humorismo popular à vaidade das aparências.

Na evolução da narrativa cênica, a montagem propõe algumas quebras extremamente oportunas, como as canções lindamente interpretadas por Alessandra Maestrini, em especial a versão em inglês de O que será, de Chico Buarque. Mas, se algumas vezes as tentativas de ”teatralizar” o texto parecem ir um tanto mais longe do que as possibilidades contidas na escrita, é porque há uma certa voracidade em dar forma cênica a palavras com impostação reiterativa, dissociando mais do que integrando o que é dito com o que é representado.

A ambientação de Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque encobre a semi-arena do Teatro Maria Clara Machado com patchwork de tecidos que sugere mistura de cores e estilos, compondo cenário alegre, circense.

Os figurinos de Inês Salgado seguem essa alegria da cenografia, sem no entanto mostrar a razão da troca constante de roupas, que não serve para caracterizar ou marcar diferenças, já que não se procura definir personagens. A iluminação de Aurélio de Simoni tem um belo desenho, que cria atmosfera cênica. A direção musical de Tato Taborda pontua a montagem com colagem de canções e ritmos que contribuem, decisivamente, para adensar os múltiplos climas que permeiam o espetáculo.

O quarteto de atrizes se dedica ao processo interpretativo e à diversidade estilística, compondo intenso jogo cênico, sustentando a montagem num ritmo ágil. O diretor extraiu de cada uma delas o melhor de seus temperamentos interpretativos. Danielle Barros aproveita bem as oportunidades que se lhe oferecem, com destaque para sua participação na cena inicial.

Josie Antello explora a palavra com ampla gama de gestos e sons, em atuação com referências a técnicas de clown e ar divertidamente patético. Maria Clara Gueiros explora suas características de comediante, brincando com sua peculiar entonação. Alessandra Maestrini é uma presença envolvente, especialmente nas suas belas interpretações musicais.

Utopia– De Thomas Morus. Direção de Moacir Chaves. Com Alessandra Maestrini, Josie Antello, Danielle Barros e Maria Clara Gueiros. Teatro Maria Clara Machado, Planetário, Av. Padre Leonel Franca, 240, Gávea (2274-7722). 6ª e sáb., às 21h, e dom., às 20h. R$ 20. Até 10 de julho.

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