Evolução Polêmica no Samba

 

 

 

 

A próxima quinta-feira marca uma nova etapa na história das escolas de samba no Rio de Janeiro. Começa nesse dia a mudança das 14 escolas do Grupo Especial para a Cidade do Samba, complexo de barracões localizado à beira do porto, na Av. Rodrigues Alves. À espera dos comboios vindos dos barracões na Saúde, Gamboa e Praça Onze, estão os 14 galpões concluídos no último dia 30, com 14 metros de altura em quatro andares, 60 metros de largura e 45 de comprimento. Um espaço de sonho para as escolas, com um porém: elas serão vigiadas por 10 milhões de pessoas por ano, segundo o prefeito Cesar Maia.

Os visitantes da Cidade do Samba, cuja entrada será aberta ao público até o fim do ano, terão acesso aos 14 barracões por meio de uma vitrine logo acima da altura dos carros alegóricos. Chamariz para o turismo durante todo o ano, como pretendem a Prefeitura e a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), o big brother das escolas traz a reboque um problema criativo: como esconder segredos como a águia da Portela, os abre-alas e alegorias de impacto sem a intimidade dos galpões ao estilo antigo, sem visitantes?

– Os galpões podem ser fechados sem problema nenhum – diz Cesar Maia, dando a entender que as escolas só manterão as vitrines abertas se quiserem.

– Vamos continuar cobrindo tudo com plástico preto, como no antigo barracão – adianta Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, diretor de carnaval da Beija-Flor, que defende este ano o enredo Poços de Caldas derrama sobre a terra suas águas milagrosas: do caos inicial à exploração da vida, água, a nave-mãe da existência.

Será que a moda do plástico preto pega na Cidade do Samba, ocultando a graça dos barracões para os visitantes?

– O plástico preto virou lenda, não vai existir mais – diz Paulo Barros, carnavalesco da Unidos da Tijuca, que apresenta em 2006 o enredo Ouvindo tudo que vejo, vou vendo tudo que ouço, sobre a visita fictícia de Mozart ao Brasil.

– Lógico que os segredos vão vazar, mas faz parte do jogo. Cada escola terá seus artifícios para os ensaios dos carros, os testes de iluminação. As sacadas só ficarão abertas aos visitantes parte do dia – diz Barros, lembrando o ritmo ininterrupto dos barracões às vésperas dos desfiles.

Na Mangueira, a questão dos plásticos cobrindo os carros sofreu uma mudança. Leve.

– O meu plástico não é preto, é branco – diz o carnavalesco Max Lopes, que defende o recurso para proteger as obras da poeira, e não dos olhares de cobiça. É uma bobagem, a vitrine só facilita uma espionagem que poderia ocorrer nos antigos barracões também. A Mangueira sempre tem um trunfo, senão perde a graça. Não gosto nem de saber o que os outros estão fazendo: se copiam o meu, mudo na hora – conta.

De acordo com o crítico Roberto M. Moura, autor do livro No princípio, era a roda (Rocco), os segredos se mantinham em grande parte porque ninguém sabia a forma dos carros até a chegada na Marquês de Sapucaí. Eles permaneciam desmontados até passarem debaixo do viaduto São Sebastião, no Centro, no caminho para o Sambódromo.

– Além disso, hoje preservar os segredos seria difícil de qualquer forma. Um espião com um celular de 80 gramas, daqueles que tiram foto, pode entrar nos barracões e registrar o que quiser – diz.

Para Alexandre Louzada, da Vila Isabel, a curiosidade do vizinho já existe há décadas e pode vir a enriquecer o anedotário do carnaval em sua nova casa.

– Se encontrar algum carnavalesco disfarçado de turista, vou achar muita graça. O segredo é relativo, deixou de ser absoluto desde os tempos do Pavilhão de São Cristóvão – diz Louzada, recordando o período nos anos 80 no qual todas as escolas, sem barracão, produziam suas alegorias e guardavam seus carros no galpão que hoje sedia a Feira de São Cristóvão.

Reclamação sobre a Cidade do Samba é coisa rara entre os carnavalescos, especialmente quando eles consideram as condições dos antigos barracões.

– Quando chovia, alguns tinham que parar as atividades, por causa das goteiras – conta Max Lopes, da Mangueira.

Com os novos galpões, os funcionários das escolas dizem adeus ao calor das telhas de amianto, que nos verões provocava uma temperatura superior a 50 graus nos ambientes de montagem dos carros. Também é eliminado quase por completo o risco dos incêndios que costumavam arruinar alegorias até a década passada – todos os galpões dispõem de sistema com detector de fumaça, em um total de 3.600 sprinklers. O peso das esculturas monumentais, anteriormente suspenso pelos funcionários até o alto dos carros, agora será sustentado por guindastes em trilhos de aço a 11,5 metros do chão. Eles servirão inclusive de elevadores para as peças nas oficinas do segundo andar, longe da vista do público – e onde serão guardados alguns dos trunfos das escolas.

A Cidade do Samba traz a inevitável profissionalização – diz o crítico Roberto M. Moura – Era burrice os barracões não serem aproveitados turisticamente. A gente precisa tirar partido do carnaval. A Cidade do Samba já vem tarde. O erro da Prefeitura foi não tê-la feito antes.

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