Escolas da elite do Carnaval do Rio atravessam o samba-enredo no disco

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Carnaval se ganha na avenida. Mas a audição do disco Sambas de enredo 2017 (Gravadora Escola de Samba / Universal Music) deixa a sensação de que, no geral, as 12 agremiações cariocas e fluminenses atravessaram o samba-enredo ao eleger a composição com que vão desfilar no Grupo Especial do Carnaval da cidade do Rio de Janeiro (RJ) nos dias 26 e 27 deste mês de fevereiro de 2017. Nem se trata de confrontar os sambas dos anos 2010 com as safras antológicas das décadas de 1970 e 1980, pois o Carnaval mudou e o samba-enredo acompanhou a mudança. A questão é que, na comparação com as já irregulares safras recentes, os 12 sambas do Grupo Especial resultam ainda menos inspirados.

 

Cabe ressaltar o refrão poderoso do samba da Mangueira, Só com a ajuda do santo, cujo enredo é a sincrética devoção religiosa do povo brasileiro. O samba não é grandioso, mas, diante do painel desanimador do disco, acaba sobressaindo ao lado do samba da Beija-Flor de Nilópolis, Iracema – A virgem dos lábios de mel, enredo baseado no romance do escritor cearense José Alencar (1829 – 1877). Letra e melodia se afinam no samba da Beija-Flor.

 

Celeiro de bons sambas, a Unidos da Tijuca frustra com Música na alma, inspiração de uma nação. O samba é fraco e a letra resulta confusa, sequer dando uma ideia de que o enredo foi inspirado no encontro, em 1957, entre o músico norte-americano Louis Armstrong (1901 – 1971) com o músico brasileiro Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897 – 1973), o Pixinguinha. O samba da Portela também está aquém do histórico da escola. Sem falar que o enredo Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar… também poderia ter foco mais bem definido, se debatendo entre exaltar as tradições dos rios e as da própria Portela.

 

Há sambas que, mesmo soando medianos no disco, deixam a sensação de que vão crescer na avenida. É o caso de Ivete do Rio ao Rio, homenagem da escola Acadêmicos do Grande Rio à cantora baiana Ivete Sangalo. Além de cantar o alusivo (introdução do samba no disco), a estrela baiana da axé music divide a interpretação do caloroso samba com Emerson Dias. Samba e cantora deverão levantar poeira na Avenida Sapucaí. Apesar da polêmica gerada pelo enredo atacado por empresários do agronegócio, o samba da Imperatriz Leopoldinense, Xingu, o clamor que vem da floresta, também parece ter cacife para levantar arquibancadas.

 

Já a Unidos da Vila Isabel aposta em Som da cor, samba e enredo sobre a África ancestral, mas as alusões ao antológico samba-enredo Kizomba – A festa da raça (1988) somente reforçam a sensação de que o samba de 2017 poderia ser mais sedutor. Gravado ao vivo na Cidade do Samba, com ritmistas das escolas, o álbum Sambas de enredo 2017 alinha, aliás, essencialmente sambas pouco sedutores. A divina comédia do Carnaval, da Acadêmicos do Salgueiro, é exemplo típico desse samba mediano que vai ser ouvido na avenida Marquês de Sapucaí em 26 e 27 de fevereiro. Não constrange, mas tampouco empolga. É também o caso de Onisuáquimalipanse, samba de enredo histórico com o qual a São Clemente vai brigar pelo título escorada na experiência da carnavalesca Rosa Magalhães. A briga será difícil…

 

Os sambas de Mocidade Independente de Padre Miguel (com enredo sobre histórias míticas do Oriente), União da Ilha do Governador (de enredo africano déjà vu) e Paraíso do Tuiuti (Carnavaleidoscópio tropifágico, samba sobre os 50 anos da Tropicália) mantêm inalterado o quadro dos sambas de enredo do Grupo Especial em 2017. A rigor, falta uma grande melodia na safra deste ano. Cabe às agremiações tentar desatravessar o samba na avenida, palco onde se ganha Carnaval. (Cotação: * *)

 

(Crédito da imagem: capa do álbum Sambas de enredo 2017. Foto de Alexandre Vidal)

MAURO FERREIRA

 

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