Em CD e filme, Alceu Valença reflete sobre o tempo 2

 

 

Alceu Valença

Alceu Valença está como o Coelho de Alice no País das Maravilhas. Não pela maneira alucinada de que, durante a entrevista coletiva, ele se levanta da cadeira, e anda pela sala, inquieto. Mas porque ele não tira o Tempo da cabeça. Ele está no nome de seu novo CD, “Na embolada do tempo”, no relógio estampado no disquinho (marca 9h10m, por que será?) e espalhado de forma diversa nas letras das canções. Além disso, o tempo é o motivo principal de “Cordel virtual”, roteiro escrito por Alceu de um longa-metragem que será dirigido por ele em parceria com Walter Carvalho.

 

Pensando melhor, a comparação com o Coelho é inadequada. Não é a pressa que move Alceu, sua relação com o tempo não é a da opressão dos prazos. O próprio compositor, que em 2005 completa 35 anos de carreira, explica:

– O CD tem música de muitos tempos, como “Noite vazia” da época em que cheguei no Rio, 1970, e tocava com Geraldo Azevedo num banco do calçadão no Leme, ou “Dona de 7 colinas”, que fiz no estúdio, pouco antes de gravar – lembra. – E as letras retratam otempo filosófico de “Na embolada do tempo”, o tempo das paixões de “Quando você foi embora”, no qual um minuto demora horas…

As sutis variações do tempo de que fala Alceu estão diluídos em referências ao passado, como em “Ai de ti, Copacabana” (do verso “Lembro Caymmi, Rubem Braga, João de Barro”), um passeio pelo calendário sentimental de “No tempo que me querias” (“Setembro estava riscado/ E nunca mais te veria”) e a angústia de quem espera de “Noite vazia” (“Madrugou, raiou o dia/ E ele ainda não voltou”). Musicalmente também, vários tempos se encontram em forma de “samba-canção, aboio, coco, samba moderno, eletrônica”, como lista o compositor (clique aqui para ler a crítica completa do disco).

Em “Na embolada do tempo”, Alceu reafirma não ter pudor em “macular” os ritmos tradicionais nordestinos com guitarras e efeitos – natural para quem teve o disco de estréia, com Geraldo Azevedo, produzido por Rogério Duprat, o maestro do Tropicalismo. Mas ele vê com reservas os caminhos de misturas que a música brasileira tem seguido.

– Não sou contra, mas me importo com a maneira como é feito, com o conceito que há por trás. Não é qualquer música produzida no Brasil que é brasileira, e sim aquela que só existe no Brasil, com harmonia e melodia características. A própria antropofagia é um conceito em princípio bom, mas sua formulação é vazia. A antropofagia tem que se dar de forma natural, quando as coisas se misturam sem que seja necessário forçar. Nunca vejo uma aproximação antropofágica com a Espanha, a Arábia, a África. Só com os Estados Unidos.

Alceu relativiza até a ligação de sua música com o rock:

– Conheci guitarra elétrica na televisão de Pernambuco, com um músico chamado Mão de Vaca, que fazia um som totalmente próprio com o instrumento, inclusive imitando cuíca – conta. – E quando eu fiz um show no Rio e falaram que eu era um novo Mick Jagger, fiquei intrigado, porque não sabia quem era Mick Jagger.

A cruzada de Alceu em nome do que ele acredita ser a “autêntica cultura brasileira” segue em “Cordel virtual”. O filme, todo feito em verso e repleto de músicas – entre elas “Embolada do tempo” e “Samba do tempo”, do novo CD.

– O filme é uma narrativa completamente não-linear, com flashback do flashback – explica.

Alceu conta que o roteiro parte da história de um cantor que escreve o texto de uma peça e distribui apenas para poucos amigos lerem. Pouco depois, quando sai em turnê e passa por sua cidade natal, vê sua peça sendo encenada no circo.

– A partir daí, ele revisita a infância, mitos da cultura nacional como Cego das Trovas e Mateus Farsante, que aparecem como fantasmas. É um filme sobre a minha vida? Sim, repleto de fantasia, como Fellini fazia com a vida dele.

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