
Logo ao acordar, antes mesmo de o café encontrar a xícara, fui atravessado por uma notícia que não tem gosto, mas tem peso: morreu o Papa Francisco. Jorge Mario Bergoglio, aos 88 anos, em Roma. Morreu o Papa da ternura e da luta. O homem que vestiu o branco do Vaticano, mas nunca tirou os sapatos da rua.
Na quietude da manhã, senti um silêncio diferente. Não era o silêncio da casa ainda adormecida, mas o de uma ausência súbita, daquelas que pesam mais que a presença.
Francisco foi, talvez, o último grande gesto de ousadia da Igreja. Um jesuíta argentino, com sotaque do sul global e coração dos Andes, que escolheu o nome de um santo pobre para lembrar que os palácios devem ser passageiros. Um Papa que disse com todas as letras: “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos.” Ele frequentemente criticava os excessos do capitalismo e a “economia que mata” (como ele escreveu na encíclica Evangelii Gaudium). Ele falava sobre a necessidade de uma economia a serviço da pessoa humana e não do lucro. E que, com isso, devolveu a fé a muita gente que já a havia trocado por cansaço. Desde o início do seu pontificado, ele colocou os pobres no centro da missão da Igreja. Ele fala com frequência sobre desigualdade, exclusão e injustiça, o que ressoa com algumas pautas mais à esquerda.
Ele não era um revolucionário no sentido clássico — mas era um reformador no sentido mais profundo. Um que olhava nos olhos. Um que não se escondia atrás do latim. Um que falava de paz como quem estende a mão, não como quem redige encíclicas.
E agora?
Essa pergunta não é nova. A morte de qualquer figura que nos guia — seja pai, mãe, cantora como Cristina Buarque (faleceu no domingo de Pascoa), poeta ou Papa — carrega essa inquietação: “e agora, quem virá?” Não se trata apenas de sucessão. É sobre continuidade. É sobre manter acesa a chama sem apagar a memória.
Alguns nomes já surgem nas conversas, como faróis possíveis na neblina. Luis Antonio Tagle, por exemplo — o arcebispo filipino que carrega em si a delicadeza de um continente marcado pela resistência, e a coragem de quem sabe que a fé precisa andar de mãos dadas com a justiça. Ou ainda Peter Turkson, o cardeal ganês, firme defensor da dignidade humana, que poderia ser o primeiro Papa negro da história — uma resposta, talvez, à necessidade de ampliar a pele da Igreja.
Mas hoje, neste instante de luto, ainda não cabe pressa. Antes de olhar para quem virá, é preciso agradecer quem foi. Francisco nos ensinou que a fé não está nas torres, mas nos gestos. Que a Igreja pode, sim, ser um hospital de campanha. Que amar o próximo é uma forma de oração — e das mais urgentes.
Ele partiu. Mas suas palavras continuam ecoando em cada prato de comida distribuído, como faz Júlio Lancellotti um padre católico brasileiro muito conhecido pelo seu trabalho social com pessoas em situação de rua em São Paulo. Ele é vigário episcopal do povo de rua da Arquidiocese de São Paulo, em cada abraço que fura a indiferença, em cada jovem que ainda acredita que justiça social não é utopia, é Evangelho.
Hoje o mundo está mais pobre, mas também mais desafiado. A pergunta “e agora?” ecoa não como desespero, mas como convite. A continuar. A cuidar. A lutar.
Francisco se foi — mas o caminho que ele abriu ainda está diante de nós. E caminhar por ele talvez seja a forma mais bonita de rezar por sua alma.
Cláudio Ribeiro
Jornalista – Compositor
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