Os impactos causados na sociedade e na cultura por parte do golpe que destituiu Dilma Rousseff e alçou Michel Temer ao poder foram tema de debate quinta-feira (24), em São Paulo. Os artistas Sérgio Mamberti e Tico Santa Cruz, além da jornalista Laura Capriglione, falaram sobre os retrocessos no campo cultural impostos pela agenda regressiva do novo governo, o papel das mídias alternativas e a importância de a esquerda apostar na comunicação.
Por Felipe Bianchi
Tico Santa Cruz, Sérgio Mamberti e a jornalista Laura Capriglione
Para o músico dos Detonautas, que ganhou notabilidade por seus posicionamentos contra o processo de impeachment, a luta de ideias é fundamental para o avanço não apenas da cultura, mas também para o fortalecimento da democracia. “Boa parte da população apoiou ou manteve-se indiferente ao impeachment graças a uma campanha massiva da mídia que fez com que as pessoas acreditassem piamente que estavam lutando contra a corrupção”, opina. “A grande mídia colocou problemas graves como se fossem exclusivos de um partido, e não problemas de todo um sistema político”.
Tico Santa Cruz relata ter perdido 50 mil seguidores em 10 minutos por defender, nas redes sociais, o mandato de Dilma Rousseff. “Em nenhum momento me arrependi, pois não posso aceitar que uma pessoa honesta seja injustiçada da forma que foi. Os empresários e profissionais que trabalham comigo muitas vezes recomendaram eu não me posicionar, mas sempre contrariei isso”, conta. “Não acho que o artista tem de se comportar de forma domesticada, como a grande maioria da nossa classe o faz dentro do mainstream”.
Enfrentar a opinião pública, altamente contaminada pelo partidarismo dos grandes meios de comunicação, tem um preço, segundo o músico. “Me questiono se tudo que tenho feito vale a pena e a resposta é que sim. Embora tenha um preço alto, que minha família, companheiros de banda e demais profissionais que trabalham comigo estão pagando, eu acho que vale a pena”, diz. “É papel do artista, sim, não só entreter, mas questionar e participar ativamente do debate político e cultural. Não podemos nos omitir”.
Tendo como exemplo a sua atuação enquanto ativista digital e figura pública, Tico Santa Cruz chama a atenção para a importância de a esquerda buscar fazer o que faltou nos últimos anos: falar para fora da ‘bolha’: “Os caras têm um sistema gigantesco de comunicação, é uma máquina eficiente e poderosa. Ou avançamos na comunicação e dominamos as ferramentas, a linguagem, ou seremos engolidos. Temos de fazer cursos, refletir, parar de nos comunicarmos apenas com os convertidos. Se não avançarmos já, a disputa será entre a direita e a extrema-direita, como avaliou Fernando Haddad em entrevista recente”.
Para ele, o exemplo dos estudantes, que ocupam escolas em todo o Brasil, é uma sinalização importante para os movimentos sociais. “Esquerda tem que pensar e repensar a forma como aborda a comunicação de massa. Os secundaristas vêm fazendo um exercício muito interessante nesse sentido”, comenta.
Em busca do tempo perdido
Ícone da dramaturgia brasileira, Sérgio Mamberti atuou em diversos cargos do Ministério da Cultura durante o governo Lula. De acordo com ele, o momento que o país atravessa pode ser considerado até mais grave que a imposição da ditadura militar, em 1964: “Lá atrás, não tínhamos as conquistas que hoje temos. O processo atual é uma reação contra avanços significativos do povo brasileiro, que deu voz, inclusive, à diversidade cultural”.
Militante histórico da cultura, Mamberti exalta o salto que o campo teve durante os últimos 14 anos. Da década de 1990 até o início da era Lula, aponta, fica claro que há princípios opostos no tratamento da cultura enquanto política pública. “O intelectual Fernando Henrique Cardoso não tinha projeto algum para a nossa área. Não dialogava com as diversas regiões do país”, critica. Com espaço para a participação da sociedade civil, ele exalta a centralidade que a cultura ganhou a partir de 2003. “O processo de inclusão na cultura deu voz a setores que nunca a tiveram. Houve uma expressiva valorização das políticas públicas de cultura, com protagonismo por parte de movimentos populares”.
Para ilustrar a importância que a pasta tem no país e no imaginário popular, ele menciona o pedido de Chico Buarque para o programa Roda Viva, da TV Cultura, não utilizar mais a sua canção de mesmo nome. “Isso mostra que a cultura tem um peso simbólico enorme em nossa sociedade”, frisa.
Sobre sua passagem pelo MinC, que Temer ameaçou extinguir mas voltou atrás após forte pressão da sociedade, o dramaturgo relembra que o Ministério chegou a ser considerado um dos melhores do mundo quanto ao processo de democratização da cultura. “Participei de eventos internacionais com outros ministérios da Cultura e o do Brasil sempre recebia bastante destaque”.
Segundo Mamberti, a cultura, a educação e a comunicação são centrais para qualquer sociedade democrática. “São absolutamente indissociáveis e intrínsecas à democracia”, afirma. Ele pondera, no entanto, a dívida dos governos progressistas brasileiros, principalmente, com a questão da comunicação. “Pouco foi feito na área, que dependeu, basicamente, das mídias independentes. Neste sentido, inclusive, elogio o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé por tornar-se uma referência na luta por uma comunicação democrática”.
Se muito vale o já feito…
Com passagem por grandes redações, como a da Folha de S. Paulo, Laura Capriglione tem atuado desde 2015 ao lado dos Jornalistas Livres – um entre centenas de coletivos de mídia alternativa que explodiram no país nos últimos anos. Segundo ela, se a esquerda se atrasou em dar a devida atenção à comunicação, as mídias alternativas têm ganhado cada vez mais importância na disputa de ideias.
“Temos dificuldade de falar para fora da bolha, é verdade”, aponta a jornalista. “Mas não podemos apenas nos auto-imolar, que é uma especialidade da nossa esquerda. Nesse último período, o ano do golpe, nunca nos encontramos tanto quando nesses dias. Até um bom tempo atrás, não falávamos nem entre nós. Achávamos que estava tudo feito, tudo garantido, não achávamos que o golpe viria e de forma tão brutal”.
Além do movimento de blogueiros, que colocou em pauta a credibilidade e desafiou a visão única dos grandes meios, as mídias alternativas têm sido fundamentais para a construção de um contraponto na opinião pública. “A mídia hegemônica representa o interesse de seus anuncinates, em primeiro lugar”, opina Tico Santa Cruz. “As mídias alternativas, por outro lado, têm o propósito de informar e questionar. Por isso temos de apoiá-las”
Ciclo de Debates A Imprensa e o Golpe
Promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o Ciclo de Debates A Imprensa e o Golpe discute os efeitos do impeachment e da agenda do governo Temer na sociedade, na cultura e na economia.
A mesa que fecha o Ciclo acontece na terça-feira (29) e contará com as presenças de Luiz Gonzaga Belluzzo, Laura Carvalho e Eduardo Fagnani, escalados para discutirem os reflexos do golpe no cenário econômico. Inscreva-se aqui.
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