Será lançado um livro com todas as obras de Egon Schiele catalogadas. Dificilmente não se é marcado por uma obra de Schiele: sua pintura de traços fortes apresenta corpos retorcidos e extremamente expressivos, transparecendo olhares e gestos angustiados.
Por Alessandra Monterastelli
O pintor retrata homens e mulheres nus, conseguindo captar sua sexualidade; personagens andróginos, corpos esguios, machucados e carregados de dor e luxúria, postos sobre fundos indiferentes. Também pintou diversos autorretratos, mostrando seu envolvimento com a psique e o mergulho em suas próprias emoções.
A temática dos quadros tem forte relação com a sexualidade: retratos de pessoas de gênero ambíguo, experimentais. Não objetivava seus sujeitos, os desenhos revelavam mais os impulsos crus e honestos da descoberta sexual. Talvez os temas pintados tivessem influência direta do ar boêmio e o grande número de bordeis no início do século, além do nascimento das teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, que também influenciou pintores surrealistas, como Salvador Dali.
Egon rompeu com a academia artística vigente na época, ao publicar um manifesto; foi discípulo de Gustav Klimt e posteriormente reprimido e perseguido devido a sua arte erótica. Contudo, as autoridades não conseguiram parar sua influência: Egon criou as bases para o movimento expressionista vienense, e suas pinturas são até hoje símbolos de luta psicológica, sinceridade emocional e liberdade sexual.
O retrato do psicológico, os traços influenciados pelos sentimentos e emoções, desenhos subversivos e pouco parecidos com a realidade são características típicas do expressionismo, movimento de vanguarda artística datado do início do século 20. Teve fortes bases na Alemanha, tanto na pintura quanto no cinema (em ascensão) e na escrita: o país vivia uma grave crise econômica durante e após a primeira Guerra Mundial. Textos históricos contam a loucura de Berlim na época: um misto de quebra de padrões devido a impossibilidade de manter antigas tradições e pobreza, prostituição e fome. Nesse cenário ambíguo e desesperador, a explosão das artes.
O Expressionismo Alemão já nasce carregado: vê a realidade de maneira sombria, desconcertante, ansiosa. A prioridade é dada às emoções e aos instintos impulsivos. Subjetiva, choca e capta quem olha. Os traços não tratam de representar algo, mas o sentimento que aquele algo passa.
No Brasil, o movimento também ganha representantes: Lazar Segall, lituano emigrado, produziu diversas obras entre pinturas, xilogravuras, desenhos, aquarelas e esculturas. Viveu na cidade de Meissen após a Alemanha declarar guerra à Rússia, em 1914, quando cidadãos russos moradores de Dresden são levados à cidade vizinha. Durante esse período, o artista teria saído com frequência em caminhadas destinadas a documentar aspectos da cidade e dos arredores.
Segundo o curador Max Perlingeroem em entrevista para a Carta Capital em 2016, as xilogravuras de Segall feitas no período europeu denotam sua sincronia com o expressionismo alemão, fato perceptível pela simplificação brutal das formas, motivada por fatores ideológicos: “a linguagem veemente empregada visa à compreensão imediata dos conteúdos, impregnados das ideias políticas e sociais de esquerda características do movimento”.
Quando vem ao Brasil, chama o país de “milagre de luz e cor”: capta as emoções do cotidiano nacional, abordando problemas sociais e dando foco aos marginalizados e desfavorecidos, pintados com deformações que passavam a solidão e o sofrimento dos personagens, inseridos em espaços oprimentes. Portinari também explora o lado social, representando em suas obras o horror do trabalho escravo e a dificuldade das famílias que viviam a seca do Nordeste.
Já Oswaldo Goeldi, herdeiro do expressionismo alemão, fica conhecido pelo “expressionismo tropical”. Suas obras retratam visões subterrâneas de cenas urbanas do Rio de Janeiro, de forma sombria: o autor utiliza especialmente as cores preto e branco, forma inesperada de ver o Brasil, geralmente representado com cores vivas e diversas.
Artistas mulheres também marcaram presença no movimento expressionista: Gabriele Münter, depois de ter sido rejeitada por academias oficiais de Munique e Dusseldorf por ser mulher, torna-se anos mais tarde fundadora da Nova União de Artistas de Munique. Suas obras possuem um estilo abstrato próprio, com formas fortes, delineadas por linhas escuras.
Mary Abott foi uma das três membras mulheres do clube de artistas em Nova York, ao lado de Perle Belas e Elaine de Kooning. Em declaração, afirmou que seu trabalho é formado “usando os meios da pintura, cor, linha e a poesia de espaço vital. ” Também integra esse cenário Joan Mitchell, expressionista abstrata norte-americana. Suas obras possuem forte carga emocional e são compostas por cores vibrantes.
No Brasil, Edith Blin dedica-se a pintar nus incríveis de outras mulheres de forma dilacerante. Usava a técnica do pastel seco, utilizando a ponta dos dedos para espalhar o pó sobre a cartolina preta, material que permitia que a figura se sobressaísse mais e ganhasse completamente o foco.
Lopes da Silva, crítico de arte da época, disse em certa ocasião que “a Modalidade de pintura em que muitos bons pintores claudicam e naufragam, quer tropeçando no trato da anatomia, quer excedendo-se na estrutura e colorido da carnação, o “nu” consegue a feição de arte pura e envolvente, sedutora e simples, quando dele se ocupa a admirável artista”. Por fim, Anita Malfatti, apesar de ser conhecida como pintora modernista, também tem fortes influências do expressionismo, evidenciados nos traços irregulares, nas cores fortes e nos retratos e paisagens calcados de subjetividade e sentimento.
Desde suas raízes no começo do século 20, até seus desdobramentos após os anos 50 com o abstracionismo, o expressionismo continua marcando de forma profunda gerações de artistas, fisgando através do olhar o subjetivo de cada um, retratando de forma calcada a alma humana. Não é à toa que de todos os movimentos artísticos, é talvez o mais conhecido pela honestidade e crueza com que trata as emoções.
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